A DÚVIDA DE SEGUIR EM FRENTE
Este ano o inverno se esqueceu de que a primavera há mais de um mês já presente, e o frio, mesmo que ameno, em torno dos 3ºC, ainda tomava conta de alguns lugares, e consequentemente, a neve, além das montanhas, ocupavam parte de algumas estradas.
Eu já tinha desistido de entrar na Bielorrússia pelo excesso de burocracia para que a motocicleta atravessasse a fronteira daquele país, e assim resolvi explorar um pouco mais os lugares que a minha intuição me levasse. E assim foi.
Eu tinha chegado ao pequeno Vilarejo de Regéc, nas montanhas Zamplén, Hungria, e de lá seguiria para fronteira com a Ucrânia.
As informações da cartografia do Garmin e do sistema BaseCamp
(*BaseCamp: uma excelente dica para substituir o conhecido MapSource, com muito mais recursos e interatividade no planejamento das rotas), me indicava uma estrada de uns 130 km que me levaria até Trebisov, já na Eslováquia.
Sendo a autonomia da KTM muito menor que a BMW Adventure, eu já levava comigo dois reservatórios de 5 litros cada, assim era menos um fator a me preocupar, quando começasse a subir o Zampén em direção ao norte.
Depois de ter saído de uma estrada pavimentada, o GPS indicava um caminho que naquele momento, a dose de adrenalina já aumentava de forma significante. Sabia que a partir dos próximos quilômetros a minha frente, teria que contar com o fator sorte, pois o piso era úmido pelas recentes chuvas e pela neve já se desfazendo e a KTM estava com os seus pneus originais.
Com o iPod ouvindo Blues Jeans da banda ZZ Top, o pensamento estava voltado para aquela paisagem envolvente, impulsionado pelo ritmo da música.
A estrada nos seus primeiros 20 km estava super tranquila. Embora com algumas escorregadas, mas nada que fosse tranquilamente corrigido pela facilidade que a ciclística da motocicleta proporciona. Os quilômetros foram se passando e no meio daquela paisagem deslumbrante, já não mais me preocupava com o terreno. Em determinado momento senti que a motocicleta estava escorregando muito mais, e aí me toquei que o piso já era bem menos denso, sendo que a partir daí a minha atenção seria em concentra-me totalmente na estrada.
Na medida em que subia o Zampén, a neve era mais densa, mas limitava-se as partes mais íngremes e nos cantos da estrada. E como acontece com todos, naturalmente vamos gradativamente nos adaptando com a variação do terreno, mantendo outra postura de pilotagem, a de off road .
A atenção para a paisagem foi retomada.
As montanhas vão tomando um formato convexo que cada vez mais ficamos envolvidos com a formação de pequenos lagos com suas águas cristalinas, o contraste do verde da vegetação e o branco da neve.
Não tinha a mínima ideia do que poderia estar pela frente, a não ser estar atento em encontrar um lugar pra parar a motocicleta e fazer uma fotografia.
Aí sim, fui pego de surpresa por uma formação de neve que interditava por completo a passagem. Parei a moto a alguns metros antes de pagar a neve, e fui andando para ter noção da profundidade e a consistência do piso abaixo, afim de saber qual seria a melhor forma de passar por aqueles quase 300 metros de obstrução.
Nos meus primeiros passos a bota ficou enterrada até a altura da canela, mas o fundo me parecia ser consistente. Como estava na descida, seria um fator facilitador pra vencer a neve.
Eu estava plenamente consciente de que além de estar com os pneus originais, faltava-me naquele momento as “correntes” de tracionamento.
Resolvi voltar à formação de neve, e pisando sobre os flocos, buscando acesso pelo fundo mais consistente possível, fui fazendo pequenas marcas com pedaços de galho para que eu tivesse uma orientação na hora de alinhar a roda dianteira.
Na medida em que eu caminhava sobre a neve, fui vendo que a profundidade já não mais chegava a altura da minha canela, e sim, quase na altura do joelho. Bom, só me restavam duas alternativas. A primeira, seria voltar o trecho o qual e já tinha rodado, refazendo toda a subida de retorno pelos Zampén, e a outra, seguir em frente, tentar vencer aqueles 300 metros e continuar a minha rota.
Aí, a outra dúvida. Será que mais adiante outra ou mais formações de neve também poderiam estar obstruindo a estrada? Era algo a se pensar.
Ali eu estava em uma descida, e se por ventura, as possíveis próximas formações fossem em alguma subida.
Tecnicamente seria pouco provável que eu conseguisse vencê-la pela falta de pneu adequado e corrente de tração, e tem mais, naquele momento pra mim era descida e ao voltar, a menos que a lei da gravidade neste curto interim de tempo fosse alterada, eu teria que subir pra voltar.
Dura decisão. Mas o meu “sexto sentido” me dizia que eu poderia seguir em frente. A partir da minha decisão já tomada em prosseguir, eu só tinha que me focar em passar por aqueles 300 metros de neve, e mais a frente, caso me deparasse com outras formações, seria uma outra situação a ser avaliada.
Voltei para a motocicleta para conferir se estava tudo ok com a bagagem, esvaziei um pouco o pneu traseiro, e ali estava pronto para atravessar aquele piso gelado.
Dei partida, deixei a gravidade da ladeira abaixo levar a motocicleta, e ao me aproximar da neve, na parte mais plana, coloquei uma segunda marcha e fui controlando a aceleração.
A moto começou a escorregar enquanto eu compensava com a bota no chão, e quando sentia que ia atolar, inclinava lentamente a moto para o lado oposto e sempre em direção dos galhos que tinha feito como marcação do terreno.
Não mais que uns cinco minutos, eu já me encontrava no outro lado da formação de neve. Mesmo com o frio que fazia, sentia que a minha testa estava suada pelo esforço feito naqueles 300 metros.
Continuei a estrada com a dúvida de encontrar alguma outra obstrução, em alguma ladeira acima, mas o piso cada vez estava melhor.
Por volta das 17 horas eu já estava chegando em Trebisov, meu destino daquele dia.
E mais uma vez, a estrada nos remetendo em refletirmos sobre exemplos em nossa vida.
...Se a minha dúvida persistisse e a falta de determinação me cerceasse de seguir em frente, aquele obstáculo seria o limite daquela estrada sem ao menos tentar, esgotando as possibilidades em acreditar que temos que eternizar em nosso íntimo, a determinação de seguir em frente.
A estrada continua...
Um grande abraço.
Eduardo Wermelinger
Comentários (14)
17/8/2017 13:28:14
MARLY REGINA
Eduardo, viajei com voce...Que maravilha sua viajem...apesar do que passou...a sua garra e espirito de seguir em frente sempre...venceu..Parabéns pelo exemplo, e nos brindar com belíssimas paisagens. Abçs
5/5/2015 21:10:00
LUJAN FIUZA
Sua coragem e determinação me fascina,mesmo eu sendo um pouco parecida contigo,mas vc....meu lindo, é DEMAIS......Agradeço, pq viajo em suas historias,suas fotos e td que posta.#Amomuitotdisso#..Adoraria estar ai fazendo o mesmo....Mas quem sabe um dia......Que Deus esteja sempre contigo...beijosss
17/8/2014 00:00:11
ZENIRA RAMOS CLÍMACO
Nossa!! Que delicia ler uma matéria dessas tão cheia de riquezas, viajar com você através da leitura é emocionante.
Os seus relatos e fotos nos faz refletir e ver que obstáculos se enfrenta com determinação e coragem.
Obrigada por nos presentear com belíssimas fotos.
Continue sempre seguindo em frente com essa determinação.
Parabéns!! Um grande abraço,
Nira
14/9/2013 08:40:48
RALPH
Eduardo, parabéns pela viagem, pelas suas palavras e pelo exemplo dado! Boas estradas te acompanhem! Um abraço!
2/7/2013 13:01:43
PAULO VALENÇA
Eduardo, é isso mesmo. Algumas vezes desisti no meio do caminho ao menos sem tentar, e depois vi o quanto me arrependi.
Você sempre além do motociclismo nos desperta para outros aprendizados.
Abração e continue na estrada nos trazendo estas fotos incríveis.
23/5/2013 08:16:30
MANOEL MOURA
Boa experiência. Fotos fantástica !
22/5/2013 20:06:19
BRUNO ALCOFORADO
Caro Eduardo,
Você além de ANDAR DE MOTO, onde sempre nos presenteia com belíssimas fotos, nunca se esquece de deixar UMA MENSAGEM para que possamos parar e refletir com suas andanças. Cordial abraço.
Bruno
21/5/2013 12:36:48
WILDER CUNHA
Em frente & avante!
Boa viagem!
Forte abraço,
Wilder
20/5/2013 21:09:40
MARCELO ARAUJO
Demais a viagem Eduardo!
20/5/2013 15:45:50
CLAUDIO ESTEVES ALVES
Eduardo
Gostaria de ouvir sua opinião sobre a KTM usada nesta viagem?
Abraço.
19/5/2013 20:56:10
FERNANDO ZANFORLIN
Eduardo, perfeito, é isso mesmo. Imagina o relato acima diferente: Vi que era díficil e voltei.... Meu amigo a neve escolheu o cara errado. Grande Abraço.
19/5/2013 18:09:14
LEONARDO CASTANHA
Ótimo texto Edu! Sempre objetivo, sem se extender demais, com começo, meio e fim e sobretudo com uma "moral da historia" no fim. Parabéns e continue nos presenteando com seus textos e fotos!
Abraço e mais estradas!
19/5/2013 17:06:28
EDVANDO CRUZ
Edu, perfeito! pqp Edu! vc só procura andar por estes buracos! Tem tanto asfalto por este mundao afora e vc parece tatu! rs. Legal o texto. Li uma matéria deste mês na Moto Adventure, onde vc e o Resende rodaram pelo maior salar do planeta lá na África. Show. Abs.
19/5/2013 16:27:34
DANIEL TOSTES
Edu, outro dia estava conversando com minha esposa, e falávamos sobre vc. E neste texto que aqui conosco compartilha, vc precisamente descreve o seu "mete a cara" a vai em frente. Um abração que todos aqui te mandam! Ps. O meu mais velho já começou a dar umas voltinhas de moto, por enquanto lá no sítio, mas já é um começo. Outro abração meu venho e se cuida! Dani e toda família Tostes.