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TORRES DEL PAINE

PUNTA ARENAS, CHILE - Nos primeiros dias do ano, uma cortina densa de fumaça encobria os picos rochosos que dominam a paisagem do Parque Nacional Torres del Paine, no Chile, provocando dúvidas sobre o futuro do lugar, patrimônio da Humanidade reconhecido pela Unesco e espécie de Disneylândia para admiradores de trekking e outras atividades ao ar livre. Ainda há marcas do incêndio, que atingiu zona bastante turística, mas a recuperação é notável. Todas as trilhas estão funcionando normalmente e aos poucos os pampas e bosques queimados vão recobrando a cor. E as torres que batizam o parque voltaram a ser vista de todos os lugares. Mais ao sul da região, batizada oficialmente de Magallanes y Antártica Chilena, há outro exemplo de força natural que resiste ao tempo, em escala de milhões de anos. Glaciares que parecem eternos, colônias de animais marinhos, blocos de gelo e montanhas se enfileiram no conjunto de ilhas que apontam para o extremo sul do continente, num roteiro para ser explorado de navio rumo ao mítico Cabo de Hornos, o ponto final da América.

Incêndio atingiu 7% da área do parque


O cheiro de queimado ainda persiste em alguns pontos da área atingida pelo incêndio, cerca de 7% dos 242 hectares do Parque Nacional Torres del Paine, segundo informações das autoridades chilenas. Mesmo assim, é quase imperceptível perto das impressionantes paisagens do parque. A coloração marrom escuro de pampas e bosques, que a esta época do ano deveriam ostentar um forte verde, não tira o impacto das vistas das "torres" e dos "cuernos" ("chifres") do Maciço do Paine, assim como os lagos e as geleiras milenares.

Criado em 1959 e declarado Reserva da Biosfera pela Unesco em 1978, Torres del Paine é famoso pela curiosa formação rochosa dos picos do conjunto de montanhas. Os pontos mais conhecidos são as torres de granito, bem claras, e os "chifres", vistos de quase todo parque, com faixas escuras e claras. Essas montanhas são pano de fundo para cenários como os do Glaciar Grey, e dos lagos Pehoe e Toro. Das 166 espécies de animais que vivem na região, os guanacos, primos das lhamas, são os mais característicos. A melhor época para visitação é entre setembro e abril. No inverno, nevascas e temperaturas abaixo de zero impedem as atividades ao ar livre.

O incêndio, que acredita-se ter sido iniciado acidentalmente por um turista israelense no dia 27 de dezembro, só foi controlado dez dias depois. Ainda hoje há focos em pontos isolados do parque, controlados e monitorados, algo que se percebe pela quantidade de helicópteros dos bombeiros sobrevoando a região. A área queimada pode parecer proporcionalmente pequena, mas corresponde justamente a algumas das partes mais turísticas do parque.

A região mais afetada foi a sul, por onde passam boa parte dos mil visitantes diários do lugar, na temporada de verão. A área começa logo depois da sede administrativa, numa localidade conhecida como Rio Serrano, por onde se chega pela única estrada pavimentada que liga Puerto Natales, a cidade mais próxima, a Torres del Paine. O incêndio se estendeu da margem direita do Lago Grey, ponto de partida para o popular passeio de barco até a geleira de mesmo nome, até o Lago Sarmiento. Toda a área em torno do Lago Pehoe, onde funciona um hotel e existem duas famosas cachoeiras, foi queimada. As chamas chegaram também à margem sul do Lago Nordenskjold e à face sul do maciço.

Nessa região estão os três hotéis que funcionam em áreas do parque. O único que ainda não reabriu foi o Explora, o mais luxuoso dos três. Localizado praticamente em cima de Salto Chico, uma das cachoeiras do parque, o hotel de 49 apartamentos foi tomado pela fumaça e só será voltará a receber hóspedes no dia 27 de fevereiro. Já a Hostería Pehoe só não foi atingida por estar numa ilhota no lago homônimo.
O que salvou o terceiro hotel foi o vento. Pelo menos essa é a interpretação do gerente de operações do Hotel Lago Grey, Sergio Echeverría. Com vista privilegiada para o Glaciar Grey e para os cuernos do Paine, o hotel está na margem oposta da área queimada. Não fosse uma mudança de vento quando as labaredas já estavam a poucos quilômetros de distância, provavelmente os prejuízos teriam sido enormes.

— O mesmo vento que fez o fogo se espalhar, nos ajudou. Víamos as chamas bem ali. Fomos salvos pelo vento — recorda Echeverría, apontando para a outra margem do lago. — Tiramos os hóspedes rapidamente mas os funcionários permaneceram aqui. Aliás, isso aconteceu em todos os hotéis, as pessoas fizeram de tudo para salvar seus postos de trabalho.

Os hóspedes do Lago Grey foram alguns dos 700 visitantes que precisaram ser retirados às pressas no dia 27. Esse não foi o primeiro grande incêndio de Torres del Paine. Em 2005, ao queimar lixo numa área de acampamento proibido, um turista tcheco deu início à queimada de 15 mil hectares no setor leste do parque. Seis anos depois, a tragédia se repetiu. Para evitar que isso aconteça novamente, o governo chileno aposta numa campanha de conscientização, que já pode ser vista em placas espalhadas nos acessos ao parque e em folhetos, distribuídos junto com mapas e informações de passeios.

— Estamos trabalhando num maior controle efetivo dos visitantes, mediante à assinatura de um compromisso de respeito às normas do parque e instruções na entrada. Vamos continuar com a campanha educacional sobre o perigo que representa o fogo nesses setores — explica José Fernández Dübrock, diretor regional da Corporación Nacional Forestal, que administra o parque.
Fernández diz também que está em curso um plano de reflorestamento das áreas afetadas, que vai variar para cada tipo diferente de ecossistema. Dos 17 hectares queimados, 65% eram de vegetação rasteira e pampas; os 35% restante, de florestas.

Se a paisagem original do parque ainda levará algum tempo para voltar a ser o que era, as atividades turísticas já estão a pleno funcionamento. Torres del Paine costuma atrair milhares de praticantes de caminhadas e esportes ao ar livre por conta da variedade de opções. Há programas de um dia, como caminhadas curtas, cavalgadas, passeios de caiaque, rafting, caminhadas sobre o gelo no Glaciar Grey e pesca esportiva.

Mas são as caminhadas de longa duração as marcas registradas do parque. São mais de 250 quilômetros de trilhas passando por planícies, montanhas e às margens de lagos e geleiras. As duas caminhadas mais famosas são os circuitos W e O. Em ambas, é possível chegar à base das torres logo no primeiro dia.

Na primeira, os visitantes partem da Hostería Las Torres, um hotel e camping que funciona numa área particular dentro do parque, e percorrem toda a face sul do maciço, num trajeto em forma de W, com vistas privilegiadas para o Lago Nordenskjold e o Glaciar Grey. Já o circuito longo, ou O, circunda o conjunto montanhoso, possibilitando vistas de áreas onde a maioria dos turistas não chega, como os Lagos Paine e Dickinson e o Campo de Hielo Sur, na face norte.
Apesar das trilhas estarem funcionando perfeitamente, algumas adaptações nos locais de pernoite precisam ser feitas. Os refúgios e acampamentos Italiano e Paine Grande tiveram suas estruturas danificadas pelo fogo e permanecem fechados ao público.

Conforto e sofisticação entre trilhas, campings e montanhas

O paraíso do trekking tem também lugar para o conforto. Reconhecido por seus circuitos de caminhadas e esportes radicais, e opções de pernoite mais, digamos, rudimentares, como refúgios e acampamentos, Torres del Paine conta com bons lugares de hospedagem, dentro e fora do parque. Quase sempre com belíssimas vistas.

Ponto de passagem obrigatório para todos os que vão fazer os roteiros W ou O pelo maciço, o Hotel Las Torres é uma dessas opções. Aos pés do imponente Monte Almirante Nieto e no início do caminho para as "torres" do Paine, o hotel oferece passeios de cavalo e excursões de um dia pelo parque.
O complexo, que inclui um hotel, um camping e um spa, originalmente foi construído para ser uma fazenda de criação de gado. Com o aumento do turismo na região, a família Kusanovic, uma das muitas de origem croata que se estabeleceram na Patagônia na virada do século XIX para o XX, converteu a hacienda num hotel. Dos nove quartos para os aventureiros que chegavam até ali, nos anos 1990, o número de vagas subiu para 84. A ganadaria deixou de ser a atividade principal para se transformar numa espécie de bônus, assim como a horta orgânica, cultivada atrás dos prédios principais. Quase todo alimento consumido no excelente restaurante Coiron é produzido no terreno. Se o visitante der sorte, pode presenciar um cordeiro sendo assado numa fogueira em frente ao restaurante, e até tirar uma lasquinha do bicho antes de ele ser servido nas mesas.

Os grupos mais numerosos que chegam de carro ou microônibus costumam ter uma recepção especial. Os veículos são "escoltados" por cavaleiros vestidos como típicos gauchos ou baqueanos (vaqueiros) e levando bandeiras do Chile e da Patagônia chilena, da porteira que marca o início da propriedade dos Kusanovic, até a sede do hotel.

A vestimenta, que se assemelha bastante à do gaúcho brasileiro, assim como o culto aos cavalos (são mais de 150 animais, quase todos usados nos passeios oferecidos aos visitantes) e a comida produzida in loco fazem parte do projeto de manter o espírito do campo num dos pontos mais movimentados de Torres del Paine.

— Queremos manter nossa essência de fazenda, porque é isso que somos e foi assim que tudo começou. Por isso a vestimenta típica do gaucho — explica Sergio Solar, um dos gerentes da estância, responsável pelos programas "típicos", como cavalgadas, asados e, eventualmente, cantorias ao redor da fogueira ou no bar Pionero.

Se os hóspedes do Las Torres têm a oportunidade de cavalgar até quase a base das torres do Paine, os do Hotel Lago Grey podem chegar bem perto do glaciar homônimo a bordo do Grey II, o barco vermelho e branco que corta o lago algumas vezes ao dia entre o hotel e a geleira. O hotel é um dos que funcionam em áreas de propriedade do parque. Com uma arquitetura moderna, basicamente de madeira e vidro, o prédio se encaixa bem na paisagem e boa parte de seus quartos possuem janelões que permitem vistas impactantes dos "cuernos" e dos blocos de gelo que passeiam há anos (séculos?) pelo lago.

A vista pode ser privilégio dos hóspedes, mas os passeios a bordo do Grey II podem ser contratados mesmo por quem está apenas de passagem pelo parque ou hospedado em outro canto. A navegação de ida e volta dura três horas e chega até a milenar geleira de cor azulada. Os passageiros quase conseguem tocar os blocos de gelo e tirar algumas pedras para colocar no uísque, servido a bordo e incluso no pacote. Quem quiser contratar apenas uma perna da navegação, até o refúgio Grey, no outro lado do lago, também pode. O tempo de travessia entre uma margem e outra é de uma hora.

Fora da área oficial do parque, mas colado a ela, está a localidade de Rio Serrano. Além do belo acidente geográfico que batiza o lugar e a queda d’água, perto da qual praticantes de rafting fazem fila, há pelo menos quatro opções de hotéis e campings, colados à entrada principal de Torres del Paine. O maior deles é o Hotel Rio Serrano. São dois tipos de apartamentos. Os maiores, com 32 metros quadrados, têm vista para o maciço do Paine. Os menores, com 24 metros quadrados, permitem observar o Monte Balmaceda. Além da localização privilegiada, o hotel é uma boa opção para os adeptos da pesca esportiva. Passeios destinados a fisgar trutas e outros peixes no rio e no Lago Toro costumam ser organizados ali.

As opções de hospedagem dentro ou muito próximas do parque não são muito abundantes. Quem quiser uma variedade maior encontrará em Puerto Natales, cidade que dá acesso a Torres del Paine. Ali há uma infinidade de albergues, hostels e hotéis dos mais variados níveis. Mas quem procura uma experiência mais diferente pode se dirigir ao isolado povoado de Puerto Bories e fazer o check-in no The Singular, recém-inaugurada unidade da rede que tem como política transformar locais com importância histórica em hotéis de luxo.

A fachada dura e as estruturas industriais são resquícios da época em que o prédio abrigava o Frigorífero Puerto Bories, erguido em 1915 e que chegou a ser o maior frigorífero da América do Sul. O maquinário pesado, suprassumo da indústria a vapor do início do século passado, está preservado como se fosse um museu. Após 70 anos de atividade, o complexo industrial foi abandonado. Devido a sua importância para o desenvolvimento da região, em 1996 foi elevado a Monumento Histórico Nacional chileno e, em novembro passado, reaberto como um hotel com 57 quartos, restaurante especializado na gastronomia patagônica (muita centolla e cordeiro) e um spa que é capaz de recuperar qualquer andarilho recém-chegado de Torres del Paine.


DICAS DE ONDE SE HOSPEDAR
Hotel Rio Serrano: Diárias a partir de R$ 489 para casal. Rio Serrano. Tel. (56 61) 223158. hotelrioserrano.cl

Hotel Las Torres: Diárias a partir de R$ 497 para o casal. Torres del Paine. Tel. (56 61) 617450. lastorres.com

Hotel Lago Grey: Diárias a partir de R$ 447. Setor Lago Grey, Torres del Paine. Tel. (56 61) 712190. lagogrey.cl

The Singular Puerto Bories: Diárias a partir de R$ 1.132. Puerto Bories s/n. Tel. (56 61) 722030. thesingular.com


TORRES DEL PAINE
Parque: A entrada para estrangeiros custa 15 mil pesos chilenos (R$ 53). Os ônibus que ligam Puerto Natales ao parque têm duas saídas diárias, a 2 mil pesos (R$ 7). busesgomez.com
Navegação: O tour de três horas pelo lago e pelo glaciar Grey custa 40 mil pesos, ou R$ 143 por pessoa. turismolagogrey.com

Cavalgadas: A cavalgada mais popular do Hotel Las Torres é até a base das torres do Paine. Dura aproximadamente oito horas, ida e volta, e custa 65 mil pesos, ou R$ 233. lastorres.com


Fonte: Pulicado no O Globo em 17/02/2012

 
 
 
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