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ROTA DA SEDA - PARTE 2

Na fronteira com Irã e Armênia, surgiu o majestoso Monte Ararat. Seus mais de 5.000 m de altitude e o cume totalmente coberto de neve deixavam pela primeira vez as páginas da Bíblia para se apresentar a nós.

 
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Parei a moto para uma foto e enxuguei meus olhos

Minha moto me trouxera diante da montanha onde Noé supostamente teria ancorado sua arca após o dilúvio.


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Na Turquia no leste da Turquia, a estrada vazia estava à disposição dos motociclistas Mantivemos uma boa velocidade nesse dia, passando por Istambul, suas mesquitas e seus palácios, uma das cidades mais bonitas do mundo. Cruzamos o mítico estreito de Bósforo, onde a Ásia encontra a Europa.

No grupo, sobre a ponte, a comemoração foi geral. A maioria jamais estivera na Ásia.

Chegamos, 400 km depois, à capital turca Ancara, cidade sem o charme ou a história de Istambul. Ancara foi construída após a Primeira Guerra Mundial, quando a Turquia permaneceu do lado da Alemanha.

Continuamos depois de uma noite em um hotel fuleiro, sempre para o Leste – o atrativo de viajar nessa direção é ter o sol de frente, dando boas-vindas pela manhã, e seguindo os viajantes durante a tarde, como se estivéssemos perseguindo sombras.

Piscina, só sem a esposa. Após Ancara, cruzamos 700 km de um maravilhoso platô viajando entre 1.500 e 2.500 metros de altitude. Campos cultivados, vilarejos isolados com minúsculas mesquitas e seus minaretes para chamar os fiéis à oração davam vida à paisagem de montanha. A neve ao lado da estrada e nas montanhas, a temperatura em torno de 7°C, o céu azul e o controle das duas rodas causavam um profundo sentimento de independência. No fim do dia estaríamos em erzerum, grande cidade do leste turco.

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Nos confins orientais do país já não vemos aquela turquia moderna e ocidentalizada da região Oeste, mais próxima da europa. O islamismo está presente no dia-a-dia, na forma de vestir, nos costumes e mesquitas.

Na fronteira com Irã e Armênia, surgiu o majestoso Monte Ararat.

Seus mais de 5.000 m de altitude e o cume totalmente coberto de neve deixavam pela primeira vez as páginas da Bíblia para se apresentar a nós.


O grupo reunido na Turquia no leste da Turquia, a estrada vazia estava à disposição dos motociclistas

Parei a moto para uma foto e enxuguei meus olhos. Minha moto me trouxera diante da montanha onde Noé supostamente teria ancorado sua arca após o dilúvio.

Chegando finalmente à fronteira, a fila de caminhões que também pretendiam entrar no Irã era visível a 5 km de distância. resolvemos ignorá-la e avançamos solenemente pela esquerda até o posto de controle. Iniciamos um processo de 7 horas para atravessar as duas fronteiras.

Do lado turco, fomos obrigados a procurar cinco carimbos para o passaporte e o carnet de passage (o passaporte da moto) de guichê em guichê, disputando lugar a cotoveladas com caminhoneiros armênios, azerbaijanos, iranianos e turcos.

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Um grande retrato do aiatolá Khomeini foi o primeiro a nos receber. Depois, uma bela moça vestida de negro até os pés, apenas com rosto e mãos à mostra, indicando que as quatro mulheres do grupo deveriam cobrir a cabeça com um lenço.

Estamos em terras da Pérsia, um dos centros históricos da civilização

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A primeira impressão é de que o Irã é pobre. Uniformemente pobre. O povo é pobre e a infraestrutura é precária. A estrada, surpreendentemente boa, permitia avançar rápido e com gasolina a 1 centavo de dólar o litro. A gasolina é racionada para os cidadãos, que têm direito a 80 litros por mês controlados por um cartão – a população vende os cartões que não utiliza. Chegamos a tabriz às 22h30, após termos viajado imprudentemente a 130 km/h em uma estrada coalhada de carros velhos, mulas, camelos, carroças e gente caminhando.

Cada chegada a um vilarejo era uma festa: éramos sempre rodeados de pessoas, sobretudo jovens que queriam saber de onde vínhamos e o que estávamos fazendo no Irã.

Na manhã seguinte, tomamos uma boa estrada com quatro faixas para percorrer os 500 km que nos separavam de teerã. A paisagem desértica mudara muito em relação ao verde da turquia, um país agrícola por excelência. um jovem oficial nos parou antes da cidade com o argumento de que teríamos de tomar a estrada secundária a partir dali, para chegar à capital. Mais tarde, soubemos que motos não são permitidas nas auto-estradas do Irã. tem lógica, já que no país não há motos de alta cilindrada. Passados 20 km, voltamos para a auto- estrada e ali continuamos, para a surpresa dos agentes de pedágio – que não sabiam o que fazer conosco e não cobraram a tarifa.

Fomos recebidos em teerã por um casal de amigos iranianos que conhecemos no Marrocos em 2007, quando eles realizavam uma valente volta ao mundo com uma Moto Guzzi 1000 de 1976! Naquela noite, sem as motos, jantamos em um belo restaurante típico a convite de nossos amigos Mahmud e nadzi, que nos acompanhariam de carro até a fronteira com o turkmenistão.

Tínhamos 900 km para percorrer até Mashad, cidade sagrada para os xiitas a leste do Irã

O calor e a poluição em Teerã eram insuportáveis. Lá ficaríamos dois dias para visitar os lugares sagrados. Estrada excelente e pouco tráfego, através do deserto, convidava a acelerar. Passamos por dois ou três radares em excesso de velocidade, até que uma barreira policial bloqueou a estrada. Parecia a cena final do filme “Sem Destino”. Uma hora mais tarde estávamos novamente rodando, depois de muita discussão e a promessa de que manteríamos os 110 km/h regulamentares. Em Mashad, ficamos em um excelente hotel e corremos para a piscina.Negativo, a piscina é para homens pela manhã e para mulheres à tarde. Ah, e casal, mesmo bem casado, não pode ir junto. A cidade milenar, cujo nome persa significa “lugar do martírio”, abriga o túmulo do imã reza e é um lugar de culto e peregrinação para os xiitas de todo o mundo.

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Cidade imperial. Nossa próxima etapa seria Ashgabat, a mirabolante capital do turkmenistão. República de grandes laços étnicos com a turquia, tem 4 milhões de habitantes e 80% da superfície coberta por deserto. É um dos maiores produtores de gás natural do planeta. A passagem da fronteira Irã-turkmenistão tomou 3 horas entre reenchimento de formulários e “gorjetas” exigidas pelos funcionários. Fomos apresentados ao guia que nos acompanharia durante o período em que estaríamos no país, pois não permitem que estrangeiros passeiem sozinhos no turkmenistão.

A capital é um misto de Las vegas com Disneyworld. O “presidente vitalício” decidiu construí-la no meio do deserto, com edifícios e palácios em mármore branco, profusão de estátuas (dele, o ditador) em ouro e fontes de agua por todos os lados. Tivemos a impressão de passar de um Irã que mais parece da Idade Média diretamente para o século 21, em poucas horas. Curiosamente, apesar das belas avenidas arborizadas, os palácios impecavelmente.

Dormimos cedo pois, no dia seguinte, enfrentaríamos o deserto de Karakoum, que descrevemos no início do texto. Seriam 550 km sem uma árvore, uma casa ou um posto de gasolina. Nossas companhias seriam escorpiões enormes, tartarugas e as motos utilizando galões e as garrafas que a viatura trazia. A viatura de polícia de nosso guia nos escoltaria até o outro extremo do país. Ele levava 50 litros de gasolina acondicionados em garrafas de água mineral.

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Nos primeiros 300 km vimos o nascer do sol entre as dunas do deserto em uma estrada de asfalto novo, que permitia confortáveis 100 km/h. Poucos quilômetros mais tarde, a estrada simplesmente terminou.

Abastecemos as motos utilizando galões e as garrafas que a viatura trazia. O que restava era a estrada original construída pelos soviéticos há mais de 50 anos, com crateras enormes, dunas invadindo o que restava do asfalto e desvios que fizeram nossa velocidade Cair a menos de 30 km/h. em determinado momento, encontrei uma superfície menos danificada e aumentei a velocidade para 70 km/h.

Vi um trecho de areia que cobria a estrada por uns 10 metros, achei que passaria e entrei acelerado. A traseira da moto derrapou e fui ao chão, batendo duro com a cabeça no asfalto.

O impacto rachou meu capacete. Fiquei com um pouco de dor de cabeça, nada que um par de aspirinas não desse jeito. A moto não sofreu nada ao cair sobre a areia. Em um dia que se revelaria extraordinário e vou me lembrar por toda a vida, fizemos os últimos 250 km em 12 horas.

Areia, areia, areia. As quedas foram se sucedendo, nenhuma com gravidade.

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Cobertos de poeira e exaustos, chegamos à fronteira. Despedimo-nos dos policiais turcomenos, que deram meia-volta e retornaram para mais 550 km de inferno, como se fosse a coisa mais normal do mundo. No mesmo posto da aduana estava um motociclista holandês, viajando da Holanda ao Tibet em uma Honda Africa Twin.

Concluídas as formalidades no posto de fronteira, entramos no uzbequistão, nosso último país e principal motivo da viagem.

Paramos em Nukus, uma triste cidade de aspecto soviético decadente como nosso hotel. na manhã seguinte partimos para Khiva, uma bela cidade amuralhada de 2.500 anos com edifícios onde sobressaem minaretes recobertos de mosaicos azuis-turquesa. Faltavam apenas 250 km e aproveitamos o resto do dia para passear pelas ruelas da cidadela que resistiu a séculos de ocupações: persas, mongóis, russos e ingleses passaram por lá. Os uzbeques têm características físicas orientais bem mais marcadas e, pelo aspecto arquitetônico de suas cidades, temos verdadeiramente a percepção de estar na Ásia Central.


Nosso destino seguinte, através do deserto vermelho, seria Bukara.

Reconhecida como patrimônio da humanidade pela Unesco, reúne características inigualáveis de beleza arquitetônica. No fim da tarde, com alegria e emoção, vistamos Samarcanda, a cidade imperial fundada pelo imperador tamerlano. Tínhamos conseguido atravessar cinco países por fronteiras pouco amistosas e nos víamos diante a monumental Praça do Rajastan, com seus arcos imensos e mosaicos perfeitamente simétricos. Fizemos uma grande festa junto à piscina do hotel, onde ficaríamos hospedados por dois dias até que levássemos as motos à capital Tashkent, para dali embarcá-las em avião cargueiro após um processo que renderia uma história própria nas páginas da revista.

Foram 19 dias de imagens intensas.

Intenso o cansaço, intenso o calor no deserto, intensos olhares de crianças e adultos curiosos, intensa amizade criada no grupo e, sobretudo, intensa vontade de ver mais.



Leia também:
ROTA DA SEDA - PARTE 1
 
 
 
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Comentários (11)

2/2/2017 23:50:41
GBHOHAHJVRHA
This is a most useful conbritution to the debate
 
17/5/2012 09:09:02
JOSÉ AUGUSTO
Ricardo,
vc descreveu uma das viagens que é um sonho.
Tenho há mais de 5 anos tentado fazer um roteiro parecido, de carro, mas a situação politica da região me preocupa.

Parabéns pelo relato Ricardo. Rodei alguns quilômetros contigo neste texto, e fui lá pra parte 1, que ainda não tinha lido, e volto aqui para deixar o meu abraço.

José Augusto
 
16/5/2012 18:48:33
ALFONSO LUGRIS
Fantástico Ricardo: Don Quijote ya lo dijo: Sabes amigo Sancho, el que mucho lee y mucho viaja, mucho sabe y mucho
conoce!!!! Saudades!!! Hijo...
 
16/5/2012 08:19:10
PAULO MEDRADO
A sua leitura nos remete a embarcamos juntos nas suas viagens.
Ricardo, o meu reconhecimento e agradecimento por nos brindar com histórias, que para nós, entusiastas da moto-viagem, cada vez mais nos atentatos a quantos novos destinos podemos inserir em nossos planos. Parabéns Ricardo.
 
15/5/2012 21:51:17
LUIZ FERNANDO TEDESCHI OLIVEIRA
Fantástica viagem e relato!!! Parabéns e obrigado por compartilhar. Abç!!
 
15/5/2012 17:16:52
JOSÉ CARLOS VIDAL
Ricardo, cada vez que vejo as suas publicações, fico cada vez mais convencido o quanto tenho que me planejar para estas empreitadas. Em 2013, certamente, se assim Deus me permitir, saio da Turquia em direção para as Terras Persas.
Parabéns meu amigo, você sim, sabe viver e alimentar os nossos sonhos.
 
15/5/2012 16:46:50
GILBERTO ALCOFORADO
Prezado Ricardo, meus parabéns. Já percorri por estas bandas, mas de carro. Meu sonho será voltar de moto.
Obrigado por nos trazer este roteiro.
Abraços.
 
15/5/2012 16:29:33
BRUNO SUREAU
Ricardo, grande motociclista, grande reportero, grande compañero, grande amigo, fue un placer hacer este viaje contigo. Nos vemos en Islandia este verano para la próxima aventura. Un abrazo Bruno
 
15/5/2012 16:00:52
MARCELO VORCARO
Amigo Lugris,

É sempre com muito prazer que sigo suas grandes viagens.
Rota da seda é um sonho que ainda pretendo realizar, e com seus relatos, cada dia amadureço essa idéia.
Não é um roteiro fácil, tem muitas nuances e desafios para realizá-la.
Já tinha visto a parte 1 que voce me deu em Paris.
Obrigado, sempre por partilhar seus grandes textos e detalhes das empreitadas.

Um grande abraço

 
15/5/2012 15:49:21
OTAVIO ARAUJO GUGU
Ricardo, só vc mesmo para fazer essa aventura e ainda relatar de uma forma tão carismática e espetacular. Parabéns amigo, agora de moto nova ninguem te segura. Fraterno moto abraço, Gugu
 
8/5/2012 14:31:56
FERNANDO ZANFORLIN
Super, super, Ricardo, que viagem bacana!!! a Graça estava com vc.?
 

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