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RECORDAÇÕES: PRIMEIRA PRA BAIXO O RESTO PRA CIMA

 

Sim é verdade, assim como muitos de minha geração, meu primeiro contato efetivo com uma motocicleta foi quando meu irmão mais velho, Jordão, apareceu em casa com uma CG 125cc quatro marchas, tanque gota, toda azul e detalhes em cromado. Era o primeiro ano da década de 80 e eu, com meus onze anos, logo fui me inteirando da nova habitante de nossa garagem. Curioso que só bombardeei o velho “Dão” com as mais variadas perguntas e não entendi muito. Andar de moto parecia meio complexo e na minha meninice estava mais é para correr atrás de bola e bicicleta.

Alguns anos passaram, acabei por aprender a pilotar na moto de outro irmão, Florêncio. Neste interim chego em casa e a CG azul não esta na garagem e em seu lugar outra maquina muito diferente, pneus grandes e de cravos, guidão amplo, suspensões enormes, para-lamas lá em cima e infinitas seis marchas. Com todo aquele porte e imponência, a paixão foi inevitável, XL250R era o nome da máquina. O motociclismo só tem a porta de entrada e portando já estava eu com os dois pés dentro, uma explosão de possibilidades e trajetos transbordava em minha mente, praia, cachoeira, sítios, estrada de chão, tudo agora fazia parte do pacote, aquela maquina sem duvida era meu passaporte para conquista de novos horizontes. Deste feito em diante estava decidido, o motociclismo já não era um opção, era um contágio venoso a habitar-me, e a eleita para meus azougues era a trial 250.

Com a alforria da carteira de motorista emplaquei a 125, rodei quilômetros incríveis, iniciei-me na fantástica arte do motociclismo, com meus olhos naquela portentosa de 250cc fiz minhas loucuras financeiras e adquiri aquele foguete vermelho. Ok, hoje não é tão foguete assim, mas em tempos de “Vital e sua Moto” (musica do grupo Paralamas do Sucesso) esta era a motoca que 10 entre 10 motociclistas queriam.


Falar de uma máquina de 30 anos requer conhecimento de causa

Fotografia Donato Monteiro  
Não é possível compara-la com as atuais, os sistemas de freios ainda eram a tambor, o farol mais parecia uma bita de cigarro. Sei que na época isso em nada importava para a tecnologia existente, os freios eram uma aço e o farol iluminava até a lua (exagero, rsrs). Seus amortecedores eram tão altos e confortáveis que lombadas e imperfeições na estrada eram simplesmente ignoradas. Atravessar as trilhas de barro, seguir pelo rincão de veredas, curvas, serras ou mesmo na cidade entre os carros, aquela trial de suspensão pro-link era a medida do moto-aventureiro. Ao todo emplaquei três destas maravilhosas maquinas.

Tenho uma teoria onde digo que dos dezoito até os vinte e poucos anos somos indestrutíveis, ou senão veja, com é possível trabalhar em período integral, estudar a noite, namorar, passear, viajar e ainda conseguir jogar bola no sábado ir pra balada e acordar no domingo a tempo de almoçar na casa da vó?!?! E tudo isso, claro, acompanhado da valente e inseparável motoca, uma época de jubilo, momentos únicos em rotações por minuto!

O tempo atinge a tudo e a todos, com o passar dos anos novas possibilidades surgiram, minha preferida já não atendia meus anseios e pretensões, mudei de estilo de moto, passei pelas bi e quadricilindricas e hoje plenamente satisfeito com uma boxer, sempre recordo-me com carinho de um tempo de descobertas e conquistas ao som pulsado de uma guerreira monocilíndrica de 250cc.

Todo motociclista tem sua eleita (moto especial), seja aquela almejada e tecnológica importada ou aquela pacata 125cc dos primeiros quilômetros, todas elas nos acompanham por um trecho, vivem conosco por um tempo, compartilham emoções, dividem vitórias e quando não algumas cicatrizes. Por vezes a despedida entre moto e motociclista é dolorosa, quando por razões maiores é feita a venda, uma parte de nossa história vai junto com a moto.

A estrada continua, é preciso escrever novas paginas e novos quilômetros, sei que ao rever joviais fotografias, aquelas da galera com jaqueta de couro e capacete (usado só na estrada) que mais parecia um sino, abro um breve sorriso e saudosamente digo, que bons tempos eram aqueles em que o velho Dão dizia-me, esta é a primeira pra baixo e o resto pra cima.

Grande abraço,
Boas estradas!

Donato Monteiro
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P.S.: A quem não sabe vale a explicação: as primeiras 125cc produzidas no Brasil eram com quatro marchas todas para baixo e o retorno ao ponto-morto era feito escalando-se as marchas em sentido inverso (para cima). Com o contato destes motociclistas com maquinas maiores criou-se o jargão “Esta é a primeira pra baixo e o resto pra cima” uma alusão as primeiras maquinas e a transição para o sistema de cambio atual onde a primeira é pra baixo e o resto é pra cima.
 
 
 
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Comentários (15)

30/8/2013 09:49:58
JOÃO VITOR HOFFMANN
Agora ta explicado Donato!! a sua preferida foi a xl 250!! haha a do meu pai também! e realmente concordo com a sua afirmação de que dos 18 aos 25 somos indestrutíveis!! c pararmos pra pensar, nesta fase da vida nem paramos muito pra pensar né?? kkk muito boa a matéria!!!
um abraço!!!
 
8/7/2011 09:44:22
LORRY MEDEIROS
Grande Tio Donato...Parabéns por mais este texto, tenho o prazer de conhecer pessoalmente sua paixão pelas máquinas de 2 rodas. Da "Xzelona 250R" lembro-me de tentar dar a partida "descalço".....imagina como ficou minha canela...hehehe....Abraços
 
5/7/2011 19:05:40
OTAVIO ARAUJO GUGU
Foi um tempo muito bom o das primeiras CGs, 125, também rodei em diversas, entretanto comecei bem antes em 58 com as Monarettas – importadas, montadas pela Monark em Santo Amaro e distribuídas pelo Mappin.
Donato fala bem das XL 250 que foi a meta de todos nós, um sonho quando realizado. Tive diversas. O motociclismo evoluiu, nós evoluímos, os equipamentos de segurança, a injeção eletrônica, a qualidade dos freios e dos pneus. Parabéns Donato por fazer-nos recordar aqueles tempos sem o trânsito maluco de hoje. Fraterno moto abraço a todos, Gugu – Taubaté / SP
 
3/7/2011 19:18:15
MARCIO CELANT
Boas memórias Donato,nas montanhas lá no sul,sempre acompanhei meus primos debulhando motos.CG , RX ,TT , DT até uma suzuki 500 com chapa do Paraguai e motor fundido(e não é que ela renasceu).A oficina era no porão da casa de madeira muito antiga; eu ainda criança só admirava aquela bagunça movida a rocknroll.Más,quando aparecia por lá,um tal de ROSENBERG,montado na XL 250R,usando capacete induma,jaqueta de couro,hondaway,e contava as façanhas de sua viagens,eu tive certeza que um dia faria a mesma coisa .e fiz...
 
2/7/2011 13:31:06
CARLÃO
É para emocionar, lembrei do meu inicio no motociclismo, foi bom, porem meu melhor momento em duas rodas foi curtindo as estradas juntos e com os cavaleiros do vento. Me aguarde por que meu sonho é voltar a curtir as estradas com vc e todo o pessoal do grupo.
 
1/7/2011 23:01:45
GERSON GAVAZZI
Ai Donato,
A minha XL era primeira para baixo e o resto para cima.
Muito legal, até lembrei o meu antigamente, ela tinha aro e pneu Japonês, na época, que diferença!! Não ficava quadrada quando a gente pulava na lombada, veja, na lombada já que era muito raro uma.
GG.
 
1/7/2011 19:30:57
MARA E BEM
Donato linda recordação,meu irmão tinha uma igual nos anos 80,andava nela desligada na descida e empurrava na subida rsrs.Mas na epoca ñ tive apoio pra seguir em frente,mas como o destino vem ao nosso encontro o Bem aos 49 anos tirou carta de moto e hoje sou sustentada e carregada por ele,foi a melhor coisa que aconteceu depois do meu casamento rsrs,bjão e saudações.
 
1/7/2011 17:37:29
GUILLERMO GODOY
Caro Donato, excelente comentario sobre teu debut em duas rodas, muito bem relatado, impregnado de saudosos sentimentos.
Em muito me lembra o meu inicio com uma Honda CBR 400 II, cor dourada com malas laterais, carenagem e toca fitas......quanto tempo se pasou e parece que foi ontem.....Grande abraço
 
1/7/2011 14:18:38
MOTOTURISTAS
Que leitura relax.
Tenho 50 anos, sou do tempo da CB, mas as trails sempre dão aquele aspecto de agilidade e leveza, enfim: muito legal sua forma leve e prática de mostrar o lado bom do brinquedo de gente grande, ou seja: a moto. Já pensou em escrever mais?
Continue escrevendo pra gente ler mais!
 
1/7/2011 12:48:19
AIRTON DE FREITAS GONÇALVES DA SILVA
a,è,i,o,u e primeira pra cima e o resto pra baixo,,, essa frase ta memòria de milhoes de motociclista e tambem dos motoqueiros que com certeza quando criarem juizio seram motociclista................taì Donato com poucas palavras conseguiu matar muitos coelhos !!!! parabensssssssss!!!
 
1/7/2011 08:49:31
RAFA
Parabens, papito
adorei o texto e a moto parecia mto legal(apesar de eu preferir andar de BMW ;P)
te amo e adoro ouvir suas historias de moto, bjs
 
30/6/2011 19:22:04
LÚCIO SIQUEIRA
Belo texto. Belas memórias.
A minha história motociclística iniciou-se a bordo de uma TT 125 - a peidorreira. Grande abraço.
 
30/6/2011 18:47:38
SHARK BOY
Grande amigo belissimo texto! Embora na decada de 90 fosse eu um adolescente e as cgs 4 marchas nao eram mais produzidas, foi exatamente numa dessas que me apaixonei pelo motociclismo. Ainda lembro da primeira volta quando o padrasto de um amigo ensinou-me e disse a famosa frase:"Esta e a primeira pra baixo e o resto pra cima"...rs. Como voce minha istoria nao foi diferente, adiquiri minha primeira cg em 2000, passei pelas monos 250 cc, a bi 500cc. Mais a paixao pelo motor 4 canecos devo a voce lembra a primeira vez que andei na sua saudosa Hornet...rs. Então estou feliz hoje com meus 4 cilindros...rs, pena que nos falta o tempo para dividirmos estradas juntos.
Abraços.
 
30/6/2011 18:03:08
RICARDO LUGRIS
Eh, Donato. Corri vários Enduros da Indendência nos anos 80 com uma XL 250 R, grande máquina! Obrigado pelas recordações de um tempo maravilhoso. Toda moto, assim como os barcos, tem uma alma e uma personalidade. A minha XL era uma gueixa. Abraço forte e parabéns pelo bem articulado texto.
 
30/6/2011 13:41:58
NELCI BALDESSARI
Parabéns pela narrativa, ela conta a historia daquele tempo de emocao pura que uma perna quebrou e ficou torcida e deste olho que o quidao da Norton feriu a cornea e, agora, depois de 50 anos, tenho que trocar. Foi o preco. um preco que voltaria pagar, para reviver aquele paraiso vertiginoso da década dos 60. Anos de conquistas feitas que lembro ainda com saudades.
 

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