ATACAMA 2009
São Paulo a Santiago – Relato da Expedição Flying Biker – Outubro e Novembro de 2009
Das dezenas de destinos que temos na América do Sul, o Deserto de Atacama é um dos que mais me fascinou e hoje é uma atração para os motociclistas brasileiros. Talvez por ser tão diferente das paisagens que vemos por aqui, ou pelo simples fato de rodando apenas aproximadamente 6 mil quilômetros, atravessamos desertos e montanhas, passamos muito calor e também muito frio e ainda subimos a altitudes extremas.
Este relato é da expedição dos Flying Biker, grupo de Comandantes da TAM, que aconteceu entre outubro e novembro de 2009, começando e terminando em São Paulo.
O grupo composto de oito integrantes decidiu fazer um roteiro com duas paradas principais: Santiago e São Pedro do Atacama, rodando entre 500 e 700 quilômetros por dia.
A preparação para uma viagem de 8 mil quilômetros e vinte e dois dias é algo muito pessoal. Quem já tem experiência, costuma levar menos material pois sabe que, se o roteiro for por rodovias asfaltadas e passando por cidades grandes, sempre haverá ajuda. Em toda nossa viagem não tivemos nenhuma quebra, nem mesmo um pneu furado! Mesmo assim todos tinham kits de reparo de pneu e ferramentas específicas para suas motos.
Com relação à documentação é melhor pecar por excesso. Nossa travessia de fronteira em São Borja, RS, foi rápida e não pediram nenhum documento exceto CNH e documento da moto, porém na travessia para o Chile e de volta para a Argentina, o procedimento de inspeção foi mais completo e demorado.
Para evitar problemas o melhor é levar Carta verde, autorização do banco em caso de moto com leasing, passaporte, CNH, documento de porte obrigatório da moto. A habilitação internacional não é obrigatória para pilotar no Chile.
Outro ponto polêmico é com relação ao seguro. A Carta Verde nada mais é que o DPVAT para o Mercosul e Chile, não é extensão de cobertura de seguro. Certifique-se com seu corretor de seguros se o seu seguro cobre sinistros ocorridos fora do Brasil, caso negativo é necessário contratar a extensão de perímetro.
Nesta viagem, um dos integrantes do grupo sofreu um acidente leve que o impossibilitou de prosseguí-la. Antes do início da viagem, a corretora de seguros informou que a motocicleta tinha cobertura sem maiores esclarecimentos, quando na verdade o seguro só cobria sinistros em território nacional, o que causou muita dor de cabeça e despesas para o proprietário da motocicleta.
O primeiro trecho de nossa viagem foi em território nacional, de São Paulo para Concórdia, SC e depois São Borja, RS. Nesses primeiros dias enfrentamos chuva e estradas em péssimo estado de conservação, cheias de tráfego de caminhões. Gasolina cara e de má qualidade também é algo fácil de achar do lado de cá da fronteira.
A travessia da fronteira foi por São Borja e cedo para aproveitar o pouco movimento. O procedimento foi rápido e tranquilo, praticamente não apresentamos documento nenhum e trocamos alguns reais por pesos no próprio posto de fronteira, tudo muito conveniente.
Já do outro lado da fronteira veio a primeira surpresa, gasolina de qualidade e barata, estradas bem asfaltadas e com pouco movimento por praticamente todo o trajeto. O único detalhe é o vento... sempre de lado exigindo atenção durante as ultrapassagens para não desviar a trajetória ao atravessar a turbulência criada pelo caminhão a ser ultrapassado. Outra dica é ser conservador com a estimativa de desgaste dos pneus. Uma moto carregada e lutando contra o vento vai gastar mais pneu que o habitual.
De São Borja fomos até Córdoba pernoitando em Paraná, cidade próxima a Santa Fé. Em todo este trecho pegamos muitas retas e muito transito próximo a Córdoba. No trecho seguinte, de Córdoba até Mendoza, é que a viagem realmente começou.
Pegamos a Ruta 20 a 30 minutos após sairmos de Córdoba. Começamos a subir uma serra muito sinuosa. Ainda era cedo e seguimos com muita neblina e frio durante toda a subida até chegarmos ao topo, de lá descemos do outro lado da serra passando por paisagens rochosas e áridas. Após um breve pernoite em Mendoza seguimos para um dos trechos mais esperados da viagem, a travessia dos Andes.
Podemos dividir a subida da cordilheira em duas partes, a primeira de Mendoza até Uspallata e depois até o Complexo de fronteira Los Libertadores. A partir de Mendoza existem três estradas para Uspallata. Seguimos pelo Camino del Anno, ou Ruta 52, estrada muito sinuosa e de terra, mais adequada para os motociclistas com alguma experiência off-road. O visual durante todo o trecho é sensacional, só que é melhor prestar atenção na estrada, pois qualquer descuido pode causar problema já que não existe nenhum obstáculo entre a estrada e o precipício! Ao final da estrada fomos presenteados com um visual panorâmico da Cordilheira.
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De Uspallata, seguimos no segundo trecho da subida já rodando pela Ruta 7 até a fronteira. A Ruta 7 segue entre os picos que mesmo no meio da primavera ainda estavam bastante nevados: uma paisagem bem diferente do que estamos acostumados no Brasil e de tirar o fôlego. O vento que até este trecho só incomodava um pouco, começou a restringir a velocidade de cruzeiro já que como vinha de rajada fazia a moto atravessar de um lado a outro da faixa, com facilidade.
Na fronteira a segunda surpresa: não é só no Brasil que falta infra-estrutura, pois ficamos cinco horas esperando na fila para entrar no Chile. Perguntamos se havia alguma entrada mais rápida para motocicletas e a resposta foi que só teríamos prioridade se a temperatura caísse abaixo de cinco graus ou começasse a chover ou nevar. A temperatura era de oito graus...Ter paciência é a melhor coisa a fazer.
Quando chegou a nossa vez nos sentimos em casa, pois havia muita burocracia e má vontade. Pediram documentos da moto, documentos pessoais, alguns formulários e o pagamento de uma taxa. O que ajudou muito, foi que um de nós pegou os formulários e se informou do procedimento com antecedência, e até trocou alguns pesos argentinos por pesos chilenos. Mais uma dica importante para qualquer passagem de fronteira, sempre confira se devolveram todos os seus documentos e guarde todos os formulários que lhe entregarem.
Outra lição aprendida é que não se deve planejar rodar muitos quilômetros para um dia de cruzamento de fronteira, já que isso pode levar de 30 minutos até várias horas.
Já no Chile, esquecemos a espera na fronteira quando começamos a descer os Caracoles. A descida deve ser feita com cautela, mas a vista é compensadora. Da Cordilheira até Santiago, a estrada é de pista simples em grande parte do trajeto e, neste ano, estava em duplicação em alguns trechos. Nos últimos 60 quilômetros a estrada é dupla com asfalto excelente.
Nesta primeira parte da viagem não tivemos problemas com a polícia rodoviária Argentina nem com a Chilena, pois pouco os vimos em ambos os países, mesmo assim é sempre recomendável manter-se o mais próximo possível dos limites da legislação local.
Também não tivemos nenhum problema com nenhuma das motocicletas durante este trecho, mas mesmo que tivéssemos averiguamos que a rede de concessionárias BMW é extensa e bem aparelhada. Visitamos lojas BMW em Córdoba e Mendoza. Em Santiago fiz uma revisão completa em minha R1200GS por um preço bem razoável e efetuada muito rapidamente.
Ficamos quatro dias em Santiago, descanso merecido, pois alguns motociclistas que nos acompanhavam, ainda não haviam rodado tanto em tão pouco tempo. Outro fator que contribuiu para o cansaço é o fato de que em um grupo grande, e nesse ponto éramos sete integrantes, sempre haverá diferenças de opinião e de estilo de tocada. Dependendo do tipo de motocicleta, fatores como velocidade ideal de cruzeiro, autonomia, conforto e a disposição de cada um para seguir pelo caminho mais direto ou pelo trajeto mais "aventureiro", vão dividir o grupo.
Grupos menores, compostos por pilotos com o mesmo estilo de pilotagem e motocicletas com desempenho semelhante é o mais recomendado. Quando não é possível juntar um grupo homogêneo, o ideal é respeitar as diferenças e fazer questão de realizar um "briefing" completo da rota, planejando as paradas para abastecimento e eventuais paradas para fotos. Por esse motivo, acompanhe alguém equipado com GPS que tenha um mapa atualizado da área e navegue por conta própria, assim, quando o GPS falhar ou surgir dúvida sobre a rota, você não irá se sentir como um passageiro na viagem dos outros!
De Santiago seguimos pela Rota 5 até Antofagasta, com um pernoite em Copiapó. A partir de Copiapó, metade do grupo foi pelo litoral seguindo A Rota 1, enquanto eu e mais dois continuamos pela Rota 5, subindo as montanhas e já tendo uma visão do deserto, passando por várias minas de cobre e alguns salares.
Para quebrar a monotonia das retas infinitas, subimos um trecho de serra muito bem asfaltada que depois se transformava em terra e areia. Este trecho resume bem a variedade de paisagens que se encontra nessas viagens, montanhas rochosas alternadas com desertos, estradas perfeitas seguidas de quilômetros de rípio. Pouco antes de Antofagasta voltamos um pouco pela Rota 1 para conhecer e tirar a foto obrigatória na "Mano del Desierto".
A rota de Antofagasta para Calama é via Ruta 5, rodovia de pista dupla com excelente asfalto, porém nos indicaram fazer o caminho mais longo, subindo pelo litoral pela Ruta 1 até Tocopilla e de lá para Calama. Esse trajeto é feito em pista simples serpenteando entre as formações rochosas ao longo Pacífico, em alguns trechos a pista é de terra batida, o que dá um ar de aventura ao passeio.
Depois de Tocopilla a serra para Calama é fechada e perigosa com muito tráfego mas, uma vez no topo da serra o deserto se abre e a vastidão de areia começa a mostrar suas armas. Em praticamente meia hora a temperatura aumentou uns quinze graus. A subida até Calama é íngreme e em pouco tempo estamos a 3.500 metros de altitude pouco menos que a altitude da travessia da Cordilheira.
De Calama até San Pedro de Atacama são 105 quilômetros e pouco depois de entrarmos na estrada já podemos avistar o Licancabur, vulcão de 17 mil metros de altitude e que domina a paisagem. A cidade é pequena e rústica, mas tem toda a infra-estrutura de uma cidade turística. Por estar em uma área desértica, a temperatura varia muito do período noturno para o diurno e o ar é extremamente seco: hidratante, protetor solar, rinosoro e colírio são obrigatórios.
Se você tiver tempo, todos os passeios valem a pena já que tudo é tão diferente do que estamos acostumados. Muitos caminhos são de rípio, mistura de areia e pedras, o que exige experiência off-road e planejamento.
Ficamos quatro dias em San Pedro de Atacama, o que foi mais que suficiente para fazer vários passeios e conhecer bem a cidade. Esse período também é suficiente para se acostumar com a altitude já que ainda subiríamos mais na travessia do Passo de Jama. No dia da partida saímos cedo do hotel, pois o posto de fronteira só abre as 08h da manhã e está localizado na cidade logo no começo da estrada.
O procedimento de saída do Chile só foi mais rápido que o de entrada porque havia muito menos gente para sair, e porque não é necessário pagar taxa. Na verdade o procedimento consiste em apresentar os documentos pessoais em uma janela, os da moto em outra e solicitar a vistoria da moto em uma terceira janela.
Para entrar na Argentina existem duas rotas possíveis: o Passo de Jama e o Passo Sico.
O primeiro é por estrada asfaltada e o segundo por estrada de rípio com alto grau de dificuldade.
Decidimos atravessar pelo Passo de Jama que estava a aproximadamente 150 quilômetros de San Pedro de Atacama. Neste trecho, de curvas abertas e com uma das paisagens mais bonitas de toda a viagem, passando por montanhas e salares, atingimos a maior altitude: 5 mil metros. Nesta altitude, qualquer esforço é extremamente cansativo e sentimos uma sensação de euforia devido a falta de oxigênio. Assim, todos os movimentos como colocar e tirar a moto do cavalete, devem ser bem preparados.
Depois de 150 quilômetros chegamos no posto de fronteira argentino e, ao contrario do que esperávamos, o procedimento foi bem completo exigindo o preenchimento de um formulário e a apresentação de todos os documentos pessoais e da moto. Como em todos os órgãos públicos não espere cordialidade e nem eficiência. Paciência é o nome do jogo.
Como disse anteriormente, combustível não é mais problema neste trecho Atacama - Brasil já que há postos de gasolina novos e bem equipados a cada 150 quilômetros.
Continuando agora pela Ruta 52, começamos a descer o lado argentino da Cordilheira, que tem uma paisagem menos desértica, mas não menos sensacional que o lado chileno. Passamos por várias serras com curvas fechadas com um paredão de pedra de um lado e um penhasco de outro praticamente até chegarmos a Purmamarca. Em minha opinião, o trecho entre San Pedro de Atacama e Purmamarca é o que tem o melhor visual de toda a viagem e as estradas mais divertidas, com muitas curvas e asfalto perfeito.
Já chegando em Jujuy, o famoso Chaco começou a dar uma mostra do que viria, temperatura na faixa dos 30 graus com muito sol. Existem duas opções para ir de Jujuy até Salta, a primeira e pela Ruta 9 e outra que se chama El Carmen. Seguimos pela estrada El Carmen que, apesar de ser mais curta que a Ruta 9, é muito mais perigosa já que é estreita, não tem acostamento e é de mão dupla. Não é para quem tem coração fraco! No fim do dia chegamos a Salta para pernoitar.
No dia seguinte, enfrentamos o temido Chaco, de retas infinitas e temperaturas infernais. Sempre ouvi falar do calor do Chaco ,que tem uma cidade chamada Pampa del Infierno, mas só passando por lá para acreditar. Pegamos uma temperatura máxima de 48 graus centígrados! É sufocante, quase impossível de não passar mal após algumas horas. O segredo, por incrível que pareça, é fechar todas as entradas de ar da jaqueta e do capacete porque assim o ar externo com quase 50 graus não entra e o suor mantém a temperatura controlada dentro da jaqueta. Este trecho também é famoso pelas frequentes paradas da Policía Caminera pedindo uma contribuição, nesta viagem não fomos parados nem extorquidos, quem sabe por que estava tanto calor, que os policiais não acharam que valeria a pena sair da guarita.
Devido a falta de cidades grandes com boas opções para pernoitar, decidimos aumentar a nossa média de quilometragem diária e seguir direto de Salta para Resistência, e de lá para Foz do Iguaçu. Este último trecho já não foi tão extremo, pois à medida que chegavamos mais próximos do Brasil a paisagem ia ficando mais verde. A temperatura que nos dois dias anteriores esteve sempre acima de 40 graus não passou de 35 graus. As estradas, que até Salta eram impecáveis, a partir desta cidade tornaram-se péssimas, com vários trechos esburacados e sem sinalização, melhorando um pouco entre Resistência e Foz do Iguaçu. A polícia nos deixou em paz também neste trecho, porém alguns membros do grupo que saíram mais cedo de Resistência tiveram que "contribuir" para a caixinha de fim-de-ano da polícia argentina, mesmo sem ter cometido nenhuma infração de transito.
A saída da Argentina foi tão fácil quanto a primeira entrada, apenas verificaram nossos documentos e nos liberaram. De todas as emoções acho que a de entrar de volta no Brasil após tantos dias só não é maior que a emoção de finalmente chegar em casa. Nada melhor do que estar em seu próprio país, mesmo tomando susto com o preço do primeiro abastecimento ou tomando susto na estrada tentando negociar as ultrapassagens num mar de caminhões.
Finalmente, de Foz do Iguaçu voltamos para São Paulo com um pernoite em Londrina. É importante lembrar que à medida que chegamos perto de casa, a vontade de chegar aumenta junto com a velocidade e é comum acelerar um pouco mais que de costume no último dia da viagem, e não é nem um pouco prudente. Manter um ritmo constante e compatível com o utilizado durante a viagem é mais seguro e sensato.
Aqueles que forem para o Atacama ou qualquer outro destino tem que ter em mente que cruzar o Chaco e subir a Cordilheira dos Andes exige planejamento e um pouco de estudo, é essencial saber o que esperar em termos de clima, conhecer os limites de sua motocicleta e seus próprios limites. Um roteiro como esse não é difícil, mas fica mais fácil quando se tem o equipamento e planejamento detalhados.
Foram vinte dias e 8,5 mil quilômetros de paisagens deslumbrantes, recordes pessoais quebrados, mas principalmente uma oportunidade única de entender o que é ser motociclista e solidificar minha amizade com meus amigos companheiros de estrada. Agradeço a eles pela paciência, por dividir seus conhecimentos e pela excelente companhia durante todos esses quilômetros. Apesar de estar sozinho dentro do meu capacete, mesmo com o Carlão falando pelos cotovelos no intercomunicador, sempre que tirava o capacete havia um amigo ao meu lado. Agradeço também a BMW por fazer uma motocicleta e equipamentos tão confiáveis que fez uma viagem de mais de 8 mil quilômetros parecer tão fácil quanto um passeio de fim de semana.
Continuem rodando e continuem seguros!Por: Fábio Poço (BMW GS)