AO REDOR DO ATACAMA
Texto e fotos: André RamosAtacamaConsiderado o deserto mais seco do planeta, este trecho do território chileno com 105 mil km2 tem atraído um número cada vez mais crescente de turistas que para lá se dirigem na ânsia de depararem-se com seus mistérios, belezas e não raro, consigo mesmas, já que é na vastidão de suas dimensões superlativas que muitos encontram o convite para uma viagem para dentro de si mesmos.
E foi para conhecer este magnífico pedaço da Criação que fui enviado em meados de setembro. Eu já tinha lido muitos relatos de viajantes – motociclistas e não – que de lá haviam voltado repleto de imagens desconcertantes e histórias fabulosas, o que só aumentava o meu interesse em fazer as minhas próprias descobertas. Embarquei para lá no dia 18 de setembro em um voo da LAN Chile e nesta primeira parte da viagem já tive o primeiro encontro com o belo. Após pouco mais de três horas de viagem, comecei a avistar de mina janela um maciço de grandeza e beleza impensáveis. Pouco a pouco, agigantava-se diante de meus olhos muralhas colossais de picos cândidos que debruçavam-se ainda por centenas de metros abaixo dos cumes até que, então, ganhavam coloração difusa entre o marrom e o verde. Estava passando sobre a Cordilheira dos Andes; meu Deus, ela é assustadoramente bela e de tão imponente, o avião a 10 mil metros de altitude não passa muito distante dela e até mesmo um aviso de precaução e de atar cintos é emitido em sinal de respeito. Estava apenas começando a entender porque os povos primitivos consideravam as montanhas como sagradas; elo de contato entre o sagrado e o profano. 15 minutos depois, as rodas do avião já tocavam o solo da capital chilena; dali, peguei um novo voo até Calama, um importante centro minerador no norte do Chile e aeroporto mais próximo de San Pedro de Atacama, meu destino final. Foi nesta segunda perna da viagem que meus olhos se depararam com outro espetáculo: lá estava ele, o deserto, a imensidão ocre.
Do alto de suas montanhas, veios pré-históricos são a face visível do legado de águas pré-históricas, que secaram e deixaram apenas seus vestígios ao longo da noite dos tempos; de cima também avistam-se gigantescas crateras abertas por mineradoras que rasgam sua face em busca de lítio e cobre, bem como alguns de seus salares, hiatos brancos que contrastam com a monotonia marrom.
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E é em meio a este cenário de ficção que você desce; ao sair do avião, o vento gelado do deserto é quem te dá as boas vindas. Desço lentamente as escadas como que para absorver ao máximo essa sensação e caminho para o saguão de desembarque envolto pelo êxtase em poder estar realizando mais um sonho, o sonho de pisar no deserto, de sentir os eflúvios das caravanas peregrinas do passado e das caravanas motorizadas do Dakar, que por lá trafegam desde 2009. Via-me como em um filme, caminhando em câmera lenta, com uma música épica rolando de fundo intercalada com o ruído do vento, com a câmera em close up em meu rosto, enquadramento a 45º, deserto ao fundo, desfocado.
Após pegar minha bagagem, dei de cara com um alemão de camisa e bermuda ocre, boné preto escrito “On Safari Atacama”, aparência europeia bem distinta dos habitantes daquela região do país, geralmente, descendentes de indígenas. Era o Juan, que me recebeu com um sorriso e lá estava também para pegar sua namorada de Santiago, que viera no mesmo voo que eu.
De Calama a San Pedro são 100 km percorridos em uma estrada tão linda quanto monótona, já que é praticamente uma reta que apenas encontra curvas na subida e descida de duas serras. Em meio a isso, uma sucessão de paisagens estonteantes; no final de tarde, as belezas apenas se acentuam ainda mais à medida que a luz alaranjada do sol vai envolvendo as dunas e colinas. Poucos quilômetros antes de alcançarmos a entrada da cidade de San Pedro de Atacama, ainda paramos no Mirante do Vale da Lua para o primeiro contato com a terra local - de presente, ganhei ainda um visual matador.
San Pedro de AtacamaA primeira vez que soube a respeito dos contrastes climáticos do deserto foi em uma aula de geografia na sexta-série e jamais me esqueci. Ainda bem, pois bastou o sol ir embora para a temperatura despencar; ainda no Vale da Lua, passei a sentir o rigor do frio acentuar-se mais rápido que nossa capacidade de vencer a distância entre o mirante e o carro. Chegamos a San Pedro já escuro. Com o check in feito, Juan deixou-me ali com o aviso de procurar um lugar para jantar e preparar-me para estar de café da manhã tomado e pronto às 9h, afinal, ele estava agora bem acompanhado e iria matar as saudades da namorada.
Cheguei ao Chile em meio à semana pátria deles, na qual comemoram a independência do país e com isso, as ruas de San Pedro estavam repletas de bandeirolas hasteadas no alto de cada casa, de cada estabelecimento comercial do povoado – depois eu soube que, antes de ser um sinal de patriotismo, é uma exigência do governo, sob pena de multa aos infratores. Aliás, San Pedro de Atacama nada mais é que isso mesmo, um povoado cravado no fundo de um vale, na ponta norte do Salar de Atacama, com apenas uma rua principal, a Caracoles, que em cerca de 1,5 km é cortada por uma dúzia de outras transversais. Uma destas leva à praça principal da cidade, onde a igreja San Pedro, erguida em barro no século XVI, resiste até hoje. Outra característica de San Pedro é a grande quantidade de cachorros que mais dormem que ficam acordados; de vez em quando, sai um arranca-rabo, mas logo estão de bem novamente, cada um em seu território.
Depois de comer uma deliciosa empanada de queijos acompanhada de uma boa taça de um legítimo vinho chileno, era hora de voltar ao hotel para repor as energias, afinal, o dia seguinte prometia muitas emoções.
Mas no dia seguinte aconteceu uma coisa curiosa: quando fui descer do avião em Calama, o aviso na cabine informava o horário local, uma hora depois que o de São Paulo, o que marcava o meu relógio de pulso. Então, tratei de atrasá-lo para ficar em compasso com o tempo de San Pedro. Acontece que acordei mais cedo e fui dar um rolê pelo centrinho da cidade, já que o café da manhã passaria a ser servido somente depois das 8h30 – e eram 7h30, ainda, de acordo com meu relógio. Qual não foi minha surpresa, quando chego para tomar o café e vejo o Juan todo aflito, procurando por mim.
Aí, ele explicou-me que não, que o horário de lá era o mesmo de São Paulo eu, sem entender bulhufas, tive de me virar, já que teríamos de voltar até à sede da On Safari Atacama, onde pegaríamos as motos e começaríamos o dia. O jeito foi encher as mãos de bolacha, fazer um sanduba de queijo, engolir um copo de suco de laranja e zarpar.
On Safari AtacamaA empresa que convidou este escriba para fazer o rolê pelo Chile é a On Safari Atacama. Com apenas dois anos de existência, é dirigida por dois jovens empresários chilenos de 30 anos de idade, Juan Pablo Rivas e Joaquim Gonzalez Celhay e tem se destacado pela excelência na qualidade de atendimento e de serviços.
O primeiro é um experiente turismólogo que já morou na Nova Zelândia e se aventurou por diversos meios de transporte por toda a América Latina. Para se ter uma ideia, ele percorreu de barco parte do Rio Amazonas durante uma semana; depois, pegou um avião, foi até Manaus e de lá, tropeçando aqui e ali, parou na Bahia, entrou para o Mato Grosso, desceu para São Paulo e voltou ao Chile. O segundo é mecânico, ex-piloto de motocross, com vivências em concessionários Ducati e Aprilia, que faz questão de deixar os cabelos despenteados para ficar com aparência galã-rebelde, e que conhece tudo na região. Eu pude participar das comemorações de seu 30º aniversário, que aconteceu no dia 18/9. Eles seriam meus dois parceiros de viagem pelos próximos cinco dias.
A sede da On Safari Atacama também é onde funciona a oficina e também a casa deles, às margens da principal rodovia que cruza o deserto e na cara do gol para os rolês. Ali estão cinco motocicletas BMW G 650GS, sempre revisadas e abastecidas, prontas para a partida, bem como os equipamentos de segurança os quais emprestam para aqueles que desejam chegar a San Pedro sem carregar muita tralha. Da sala que funciona também como escritório, tem-se a estonteante vista da Cordilheira dos Andes, com sua fileira de vulcões – um deles, o Putana, ainda solta fumaça nas manhãs, sendo possível observar o fenômeno de lá.
Como não saí do Brasil na companhia de um grupo de motociclistas, o Juan comentou comigo que não teria condições de realizar o passeio de cinco dias integralmente, mas por outro lado, eles me levariam para conhecer os locais por onde este tour passa, voltando todos os dias a San Pedro. Para mim, não haveria o menor problema.
Dia 1 – O desertoDepois de darmos uma passada para conhecer o hotel Explora, uma resort cinco estrelas onde Juan disse ter feito sua “faculdade de turismo”, saímos finalmente para meu primeiro contato com o Deserto de Atacama. Rodar ainda que pelos primeiros trechos de asfalto com a visão da Cordilheira ao fundo mexeu com minhas emoções; o vento ainda gelado das primeiras horas da manhã entrava pelas frestas de meu capacete castigando minha face mas eu não estava nem aí. Era muita beleza, era muito contraste em relação àquilo que eu estava acostumado até então. Eu parecia uma criança que chega a um grande parque de diversões pela primeira vez e fica extasiada diante das luzes, dos movimentos, dos sons.
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Rumamos pelo asfalto cruzando o Vale da Lua em direção ao Salar de Atacama e de repente, entramos numa larga estrada de terra. Cruzamos alguns pequenos cursos d’água e de repente, começamos a penetrar um vale repleto de pedras e de paredes de barro esculpidas pelo tempo. Estávamos na região do Valle de Catarpe, cuja aridez passou a cobrar o preço da umidade de meus lábios, ainda mais andando na poeira da moto do Juan. .
Depois de visitarmos uma pequena igreja erguida pelos colonizadores espanhóis, rumamos para Pukara de Quitor, através de uma estrada bastante íngreme que nos levou até uma antiga passagem subterrânea que era usada pelos antigos moradores para deixarem San Pedro em direção a Peine. Ao retornarmos, comemos mais uma salada para nos fornecer energias para a parte da tarde, quando então, seria conduzido pelo Joaquim.
Agora, rodando sobre areia e sal, íamos em direção à Laguna Cejar, tendo a Cordilheira à nossa esquerda. Segundo ele havia me dito, este é o único lugar no mundo, depois do Mar Morto, onde você pode entrar na água que não afunda, devido ao alto grau de salinidade da água. Na entrada, depois de pagar a taxa de visitação, você recebe um galão de água para jogar sobre o corpo para tirar o excesso de sal; do contrário, pode queimar a pele.
O único senão é que ele não me avisou que o que ela tinha de salgada, também tinha de gelada e aí, toda minha empolgação ficou na margem. O Joaquim, acostumado que está com isso, nem se importou mas eu fiquei quietinho do lado de fora, só fotografando.
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O nosso agradecimento ao editor André Ramos que nos cedeu esta matéria originalmente publicada na Edição 108 na Revista Pró Moto