LUA CHEIA
CHEGO PRO ALMOÇO"Pilotar uma moto é sentir pura emoção, é como o voo do "condor" em um deslizar suave, sem limites e sem rumos, numa paixão de vida a procura de algo impossível,.....que se conquistam quando liga o motor, acelera e vai... é algo que não tem preço, é o desejo mais antigo do homem, o de ser livre e sem limites."
Não recomendo pra ninguém que tenha como exemplo esta minha passagem a qual venho relatar. Mas era uma necessidade íntima em romper a barreira da distância do meu lar. Embora aquele meu momento, eu só tinha um sentimento que aflorava, de estar sentado à mesa, e almoçar na companhia dos meus filhos. E cruzando as estradas com a minha motocicleta era uma fonte de renovação da minha alma. Não pela importância de rodar por todo este tempo, muito menos querendo fazer disso uma aventura, mas o vento, a lua cheia daquela noite, a cada quilometro rodado, alimentava a minha energia para viver de forma mais intensa o sentimento que me fazia continuar na estrada.
Estávamos em 19 de novembro de 2010 em Córdoba, Argentina, e o meu coração me pediu para antecipar a minha volta.
Conversei com meu amigo, o Carlos, e o avisei desta minha mudança de planos, e assim o fiz, parti no sábado.
Na noite anterior fomos à casa do amigo Ian, vulgo irlandês que nos recepcionou com um jantar e ofereceu "un vino da mejor calidad", deixamos os amigos lá pelas 03h00m da manhã. Dormi poucas horas, e às 09h40m parti de Córdoba com destino a Curitiba.
Não pensei em viajar, tocar direto, apenas queria voltar, e chegar em casa. Não sei o que deu na minha cabeça, mas precisava andar de moto, andar, andar e andar. Imaginei fazer o que todos sempre fazem, ou seja, viajar até a divisa São Tomé/AR - São Borja/BR e lá pernoitar.
Aproximadamente 1035 km separam Córdoba da Ponte Internacional, e seguindo meu ritmo para não chegar muito tarde a São Borja, onde pretendia dormir, e no domingo logo cedo retomaria a estrada, pois ainda me restariam uns 1000 km até Curitiba.
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Fui tocando e fazendo paradas a cada 200 km, e em cada uma delas fazia um exercício de relaxamento e tomava líquido com leve lanche de refeição (pan de migas). O sol forte ardia, queimava sem piedade, o suor escorria pelo corpo e o desejo de chegar cedo a São Borja. As 21h20m eu estava cruzando a Ponte Internacional, em São Borja. Logo após passar a aduana ainda na ponte, quando vi a lua cheia parei e deitei-me na calçada ao lado da moto e fiquei a contemplar o céu, uma rápida reflexão sobre o dia de viagem e o porque desta minha vontade de estar de volta ao lar. No fundo a resposta eu já tinha, mas até me questionava se aquilo era necessário. Pois já tinha pego a estrada o dia inteiro sobre sol intenso, e ali naquele momento estava a "mirar o cielo y sus estrellas" era um céu lindo, estrelas e o intenso luar.
Convidei-me a conversar com os astros, viajei por alguns minutos e neste instante um pensamento apareceu na minha mente: ... Vou aproveitar este céu e andar alguns quilômetros a noite a ter a lua como companhia na estrada. A lua naquele momento tinha um significado muito especial para a minha pessoa. Perdi minha esposa, companheira das minhas viagens, e depois de dois anos aquela era uma viagem solo depois da minha esposa ter nos deixado para estar ao lado de Deus... A lua que me acompanha jamais a poderia substituir a Carmem naquele momento, mas aquele sentimento de estar sobre a minha motocicleta, e as estrelas brindando o meu caminho, era como se eu a estive perpetuando na garupa da minha motocicleta.
Refleti alguns segundos sobre a possibilidade de viajar a noite, pois é sabido de todos sobre os perigos da viagem noturna... avaliei e reavaliei, consultei os astros, os espíritos, olhei novamente para o céu e suas estrelas, e uma delas em especial me dava um norte que alimentava o coração e a alma, fazendo que sequer soubesse o que era cansaço, aumentando a vontade de prosseguir em frente.
E naquele momento ainda deitado apreciando as estrelas, tomei a decisão de viajar direto até Curitiba à noite, nada menos que mais 1000 km de estrada. A decisão de seguir em frente além de escutar o meu coração, uma energia tomou conta do meu corpo, e tinha como único objetivo, estar em casa.
Viajar a noite sempre me fascinou, e naquele instante eu só desejava compartilhar a estrada com aquele céu maravilhoso, onde os raios do luar faziam com que a estrada se parecesse com uma via incandescente no meio da noite.
Não queria saber das horas, muito menos o quanto já tinha percorrido. Fiz uma seleção musical na minha cabeça das melhores músicas e vinha escutando-as com um arranjo todo especial.
Enfim, graças a Deus cheguei bem. Na verdade a emoção daquela viagem tinha algo a mais, do que simplesmente percorrer toda esta distância de forma ininterrupta, atravessando dia e noite e os quilômetros percorridos, mas o real sentido além de poder vivenciar um sentimento de saudade da minha esposa sob tantas bênçãos das estrelas e da lua, mas de voltar e dividir naquele domingo a mesa do meu lar para o almoço com os meus filhos. O meu íntimo me disse... Valeu à pena.
"agradeço ao Senhor é ele que nos conduz"
Edson Sionek"O viajante de moto sente o cheiro do mato, escuta o barulho do vento, a brisa do mar, o calor e a chuva, sente na pele a fuligem, o cheiro da gasolina e do óleo, o ronco do motor, o giro, a trepidação e a velocidade da vida"