Rotas

DO PANAMA A VENEZUELA

... A aventura continua

Por Carlos Azevedo

 


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QUARTA-FEIRA, DEZEMBRO 15, 2010

ACABOU O SABÃO.



















Acabou o sabão azul e branco... e todos sabemos que sem sabão azul e branco não se pode viajar de moto.



Há que voltar a casa, comprar mais sabão, juntar mais algum dinheiro, acumular mais algum tempo e voltar para continuar a eterna viagem. Esta é uma viagem que ganhou um espaço especial na minha memória, foi uma das mais duras, uma das mais difíceis, mas também uma das que passou por locais mais belos. Nos meus arquivos ficam momentos mágicos de solidão em lugares incríveis, momentos duros testemunhando a violência da natureza, e instantes memoráveis com novos e velhos amigos das viagens. O ultimo dia foi o mais longo, 3 horas de moto e 20 entre aviões e aeroportos. A minha barba de 3 semanas também não ajudou, segundo as forças de segurança do aeroporto de Caracas devo ser parecido com algum traficante guerrilheiro. Só isso justifica 8 revistas integrais, 3 raio X de corpo inteiro e 2 horas sentado na salinha da brigada nacional anti-droga. A minha ideia de copiar a barba de marinheiro do capitão Bob não foi bem recebida pelos venezuelanos... Perante tantas interacções com as 4 forças militares diferentes no aeroporto, o atraso de 4 horas do meu voo passou despercebido.

A Maria ficou na casa do Ruben e da Marief, amigos antigos que conheci durante a minha passagem pela Venezuela em 2007. Estas amizades que vamos juntando nas vadiagens são sem dúvida uma das grandes riquezas que nos trazem estas aventuras, amigos que se tornam família, família que nos acompanha sempre, estejamos nós onde estivermos. O Ruben a Marief e agora o pequeno César são a minha família Venezuelana, receberam-me, ajudaram-me e mimaram-me durante a minha passagem relâmpago na sua casa.

Obrigado!


Muito obrigado mais uma vez!

A grande família brasileira apesar de longe e fora de rota desta vez acompanhou toda a viagem e tenho de confessar que é muito energizante e animador ver os seus comentários sempre que venho ao blog.


Estou com saudades pessoal, a próxima tem de ser para esses lados.

Agora estou de volta a Lisboa, à crise, ao PEC e ao inverno.


Fui recebido com um frio cortante mas com um sol radioso, fico sempre fascinado com a beleza da luz do nosso país. O frio soube bem na primeira noite, sobe bem na segunda, mas na terceira já começo a sentir falta do ar quente e úmido dos trópicos.


(lembranças eternas)








Está na altura de começar a pensar na próxima .



Lisboa, 18 de dezembro de 2010

Texto e fotos: Carlos Azevedo


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SÁBADO, DEZEMBRO 11, 2010



DETERMINAÇÃO OU TEIMOSIA ?


Os dois últimos dias desta viagem forma absurdos, pela terceira vez nas ultimas semanas todas as forças naturais e sobrenaturais se juntaram para gorar o meu objectivo de chegar a Caracas a tempo do voo.

O meu animo e determinação foram sistematicamente atacados por um sucessão incrível de acontecimentos que se seguiam a um ritmo sem descanso. Mas eu tenho um trunfo forte, sou teimoso que nem uma mula, vou avançar! De manhã bem cedo comecei a ter de lidar com os sucessivos desabamentos que invadiam a estrada. Depois aldeias inundadas onde a estrada era o ultimo recurso seco, aproveitado pelas famílias para amontoar os haveres que conseguiram salvar de suas casas. Vencidas as chicanes entre televisões e microondas chego a um posto de combustível para atestar. Não há! A resposta repete-se durante os 100 quilómetros seguintes até, inevitavelmente, ficar a seco. As inundações não deixaram chegar os abastecimentos normais de combustível e na região de Rio Hacha não há gasolina à 6 dias.



Consigo comprar a preço de ouro um galão a um grupo de simpáticos rapazes que me explicam a situação. Mais 100 quilómetros e nova pane seca, desta vez no meio de nenhuns. Deito a Maria, subo a roda da frente numa pedra e consigo juntar os últimos 500ml no sitio certo. Faço mais 10 quilómetros e encontro uma banca de estrada com uns garrafões com um liquido amarelado. És gasolina? Si és, 20.000 pesos el galon! 10USD. Toma!! Chego finalmente à fronteira e consigo encontrar uma bomba com combustível. Já não tenho pesos e tenho de engolir o cambio que inventem, preciso mesmo de gasolina. São mais uma vez simpáticos e fazem-me o cambio normal. Na entrada na Venezuela os problemas continuam. Há 6 dias que não há água, luz nem telefones. Na imigração isso não representa grande problema, mas na aduana sim. Impossível fazer importações temporárias! está fechada!!

Explico que tenho voo dentro de dois dias, peço que me façam a importação à mão ou que me deixem passar que faço a papelada na próxima aduana, nada, a moto não pode passar. Durante mais de uma hora torno-me "amigo" de um dos guardas, conto-lhe a viagem (resulta sempre para criar simpatias) e falo do meu drama. Ele começa finalmente a ceder e a movimentar os companheiros. De repente volta a luz, ele grita de imediato para a aduana, hay luz, hay luz, vay hacer tu permisso. Ok amigo, gracias! Mas o meu animo momentâneo sofre outro golpe, o tipo da aduana estava descansadinho a dormir e foi acordado, não está com cara de muitos amigos. Levanta problemas com tudo, o seguro, a moto, o caminho que está inundado. Eu saco do meu currículo e digo-lhe que não é a minha primeira vez de moto na Venezuela, sei que não é preciso seguro e que o poder que trago é perfeitamente legal.

Ele amua mas continua o meu processo, desta vez com um dedo de cada vez no teclado a escrever os meus dados. 3 horas depois estou despachado e meto-me ao caminho. Mais uma vez por pouco tempo, a 8 quilómetros da fronteira a estrada está alagada. Durante a minha espera na fronteira fui recolhendo informações e já sei que me espera agua com fartura. Uns dizem que é impossível passar, que a agua dá pelo pescoço, outros dizem que dá, que os jipes passam e os camiões também. Eu vou andando, escolho um camião como referencia e sigo-o para estar sempre a par da profundidade e dos possíveis buracos escondidos na agua castanha. Vou avançando aos poucos, o camião para com motor parado, escolho outro e sigo o mesmo método. Mantenho as rotações altas e a velocidade muito baixa. A Maria aguenta-se bem, o GPS desliga, as luzes apagam-se, a gopro fica sem bateria e eu estou com agua pelas cochas, mas continuo-o a avançar.

Demoro quatro horas para fazer 63 quilómetros, cai a noite, por todo o lado só agua, o lago de Maracaibo, também conhecido por ser o maior filão de petróleo da Venezuela transbordou e alagou centenas de quilómetros à sua volta.

A paisagem é desoladora e escura, chego finalmente a Maracaíbo e "almoço" no MacDonalds de beira de estrada. São 7 da noite e estou numa das avenidas principais da 3ª maior cidade do país sem mapa nem gps e com um aquário em cada bota. Volto à estrada, Maracaibo é uma cidade perigosa e o Ruben avisou-me que não era um bom local para ficar. Sigo noite escura adentro por uma estrada movimentada, cheia de camiões. A cada cratera que piso digo 236 palavrões e prometo a mim mesmo que fico no primeiro hotel que aparecer. Cada vez a distancia entre as luzes dos pueblos é maior, cada vez há menos transito, passo longos quilómetros sem ver nada nem ninguém. De repente uma luz forte, um café de beira de estrada com muitos carros e camiões estacionados. Paro, tomo um café, fumo um cigarro e bebo uma agua. Atesto a moto e pago 1.5 bolívares por 15 litros de gasolina, a agua de meio litro custou-me 5 bolívares e o café 8.

Eu troquei 40 dólares por 200 bolivares na fronteira, agora façam as contas e vejam o ridículo que custa a gasolina neste país.

A paragem deu-me novo animo, não sei se por inconsciência ou cansaço sinto-me seguro e tranquilo. Passo Ciudad Ojeda, outra sugestão para dormir do Ruben, ainda tenho energia e decido continuar um pouco mais. Começa a serra e mais derrocadas, a sinalização nocturna destas toneladas de lama que invadem a estrada são latas com petróleo e borracha a arder que delimitam a área onde é possível passar. Imaginem uma derrocada como esta mas de noite escura com uma lata a arder em cada ponta... sombrio...

Chego a Carora, vejo alguns moteis com bom aspecto. Vou ao centro da cidade e está tudo fechado e deserto. Volto à estrada principal e depois de uma conversa com um jovem policia decido-me pelo motel


La Cascada. Depois de um duche longo e quente verifico que fiz 700 quilómetros, faltam apenas 300 para chegar ao meu destino final e a não ser que aconteça um cataclismo vou conseguir chegar a tempo do meu voo amanhã.

Estou cansaço, esgotado, mas muito satisfeito.

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SEXTA-FEIRA, DEZEMBRO 10, 2010

MALDITA COCAÍNA...


... que tão má fama dá a um país tão belo. A Colômbia não é o que dizem, é um país que sorri, que recebe bem que nos faz sentir leves... e sem ser necessário recorrer a substancias ilícitas.

Cartagena é assim mesmo, bela, forte, rústica mas com uma doçura nas suas gentes que encanta todos os que a visitam. Eu não fui excepção, estou rendido a esta cidade, a esta baía, a esta gente, à Colômbia. Infelizmente não tenho tempo para a desfrutar como gostaria, vou ter arrancar rapidamente para a Venezuela.

As previsões de importação temporária da moto na Colômbia são de 8 horas, ou seja um dia de espera para poder arrancar para a estrada. Um dia que não tenho, a troca de barcos fez-me atrasar e agora tenho 2 dias úteis e 1300 kms para chegar ao meu vôo de regresso em Caracas. Perante o ar desconfiado do capitão Bob avanço confiante na companhia de Paola, a sua agente despachante para a Aduana e em menos de 2 horas estou de volta ao Hotel.

Listo e pronto!! O charme da Paola misturado com a minha determinação e positivismo produziram mais um recorde. A Maria está pronta a rodar, ao contrário dos submarinos improvisados pelos narcotraficantes que estão em exposição nas docas da aduana. Já sei das enormes inundações nas regiões que vou ter de atravessar para chegar a Caracas e qualquer imprevisto compromete totalmente o meu justo calendário.

Por isso avanço pela rota mais curta e em pouco mais de 2 horas tenho o primeiro imprevisto. Uma simpática policia diz-me que uma ponte ruiu mais à frente, tenho de procurar outra forma de chegar à fronteira. Fujo para a costa, longe das montanhas as estradas devem ter sofrido menos com as chuvas. Acerto na aposta, a estrada é boa e rápida, alem disso é bonita. A chuva volta e com ela mais desabamentos e lama no asfalto, nas margens da estrada vejo vários índios "despidos" a rigor. Na minha cabeça repito, tenho de volta com mais tempo... tenho de voltar com mais tempo...

É daqui que sai a caminhada de 6 dias para a Ciudad Perdida, umas isoladas ruínas de uma civilização ainda desconhecida, algures no topo destas montanhas. Tinha-a nos planos mas vai ter de ficar para a próxima.

A chuva não me deixa tirar fotografias, paro numas bombas para encher o tanque e oferecem-me um café quente. Quanto é? Cortesia diz o senhor. Estão a ver... cortesia é o apelido da grande maioria dos Colombianos. São 9 da noite quando chego a Santa Marta, 3 horas de condução nocturna com chuva forte na Colombia.

















Quebrei todas as minhas regras de segurança mas sobrevivi e estou satisfeito. Comemoro sozinho num restaurante chique para variar, risotto al mare com duas taças de vinho chileno. Sinto que mereço!! O jantar foi mais caro que o hotel...



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QUINTA-FEIRA, DEZEMBRO 09, 2010

A TRAVESSIA POSSÍVEL DO DARIEN GAP


Afinal a travessia do Darien Gap é mesmo o ponto alto desta viagem, não pelos motivos que esperava mas porque atravessar do Panamá para a Colombia pode ser muito agradável. E foi durante os 2 primeiros dias da travessia no Catamaran Viva cruzando as magníficas ilhas de San Blas... fazendo mergulho e velejando por mares turquesa... entre ilhas virgens e desertas... ou povoadas pelos Kuna a etnia indígena que governa estas águas. Mas nem tudo é turquesa nestas águas, por vezes as tempestades tropicais trazem nuvens cinzentas ou mesmo negras.

E foram elas que nos acompanharam nos 3 últimos dias e as 180 milhas da travessia até à Colômbia.


Ondas grandes, enjôos, turnos de vigia e noites em claro preencheram as 50 horas de navegação
assustadora que nos trouxeram até Cartagena das Indias. Pelo caminho ficaram alguns estragos no catamaran, um dingy perdido, um motor avariado, 6 horas à deriva numa noite sem lua, muita chuva e um salitre úmido e desconfortável que se pega a tudo e todos.. Na minha memória ficam sem duvida marcados os turnos nocturnos no leme, a deriva durante 6 horas sem motores e sem vento e a substituição da correia do único motor sobrevivente às 3 da manhã. Bob é um excelente capitão, com o seu ar de pai natal e a sua voz de locutor de rádio, vive o seu sonho e não se cansa de nos lembrar que tambem nós devemos viver o nosso. O Albert é o outro membro da tripulação, colombiano e de ar franzino é um energético cozinheiro que prepara refeições deliciosas, mesmo com a sua cozinha a balançar ao sabor de grandes ondas. Nesta viagem aproveitou para se encostar ao novo ajudante e não lhe deu descanso... Viajamos com 7 backpackers. O Guilhermo e a Maria são de Espanha, a Lola também é espanhola e viaja com o Guile um irlandês de sotaque forte. Depois temos o Robert e a Jackie, inglês e australiana respectivamente e por ultimo o Steve, outro irlandês que tem sempre uma cerveja ou um cigarro na mão. As meninas coitadas passam muito tempo enjoadas nos camarotes, devoram tantos comprimidos para o enjoo como os irlandeses bebem cervejas, umas atrás das outras... A única que não se queixa é a minha Maria que todos os dias acorda com uma vista que faz inveja.

















Eu tenho-me mantido sóbrio e seguindo a minha rotina de levantar cedo e dormir cedo, apenas substituí a caminhada matinal por uma natação sempre que o mar o permite. Acabamos de chegar a Cartagena da Indias na Colombia. Hoje não há hostal nem acampamento pra ninguém, hoje vou procurar um bom hotel, tomar um belo duche, comer um belo bife e dormir numa bela cama.



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SÁBADO, DEZEMBRO 04, 2010


PIRATAS DAS CARAÍBAS DOS TEMPOS MODERNOS





















Se o karma fosse uma religião eu era fundamentalista

Contra todas as perspectivas consegui um barco. Bob o capitão é um marinheiro americano aposentado e foi com a minha cara. Precisa de mais mãos úteis a bordo e saquei de todas as minhas credenciais de marinheiro tuga e ele concordou em levar a Maria se eu reparar uma cenas no barco. Durante 5 dias serei canalizador, marinheiro, ajudante e esta será a minha cama nas próximas 5 noites. Hoje bem cedo carregamos a moto no Viva, o catamaran de 42 pés do Bob.


Pena que a chuva não para e não dá tréguas.

O processo de carregamento até que foi simples, 2 cabos ligados aos molinetes e pimba em 20 minutos a Maria está aconchegada no convés do Viva.




Gastei mais de uma hora só a amarrá-la mas acho que ficou confortável e com boa vista. O Hostal onde estou é uma espécie de meeting point dos capitão locais. São americanos, belgas, neozelandeses, australianos e há até um português que infelizmente não está em terra no momento. São os modernos piratas das caraíbas. Resolvem tudo, não suportam estar muito tempo em terra e já correram todos os oceanos do planeta. Pessoas com uma energia e positivismo fantásticos e que me adotaram de imediato no seu covil caribenho onde o Rum e a musica não pode faltar. Não me custou muito a integrar e estou neste momento tão fã de Rum como eles de Ali farka Toure. Porto Belo apesar da chuva permanente continua a maravilhar-me, os fortes cobertos de selva, os canhões abandonados por toda a vila e o ritmo calmo e sem relógio transporta-nos para aquelas imagens imaginarias de portos de piratas e batalhas marítimas nas costas tropicais.

Não me é difícil imaginar a viver aqui, como eles, com eles. Um barco e vontade é o suficiente para sobreviver sem problemas por aqui. Bom mas chega de paleio e internet, nos 5 dias que vêm por aí não haverá net, nem telefone, nem barulho, nem nada, só mar e espero que sol. Espero também que esta tempestade tropical pare e não nos acompanhe até alto mar, se isso acontecer vamos passar um mau bocado e a Maria não sabe nadar.



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SEXTA-FEIRA, DEZEMBRO 03, 2010

PRESO NO PANAMÁ


As viagens têm sempre momentos assim, alturas em que tudo parece se conjugar para nos contrariar. À 3 dias que estou no Panamá a receber más noticias. Primeiro o barco que tinha marcado saiu 2 dias antes do previsto. Depois o segundo barco que consegui partiu o motor e não fará a viagem. Mas não termina por aqui, a minha tentativa de chegar a Yaviza, a vila mais perto do Darien Gap foi rapidamente interrompida por barreiras policiais que pura e simplesmente não deixam gringos descer mais.

Perante tal cenário procurei informações no aeroporto para enviar a Maria para Bogotá na Colômbia. 905 USD para ela e 400USD para mim, ugh... Conheci 2 mexicanos com a mesma dor de estômago que eu. O Marcos e o Aldo estão a descer até ao Brasil em duas 125cc e mantêm um site fantástico. www.volandoenmoto.com/ São excelente rapazes com uma atitude fantástica. Mais tarde juntam-se mais 2 mexicanos que viajam juntos numa Yamaha 1600cc e juntamos esforços, trocamos contactos e combinamos dar noticias de cada uma das soluções que formos encontrando. O vôo está fora de questão, mesmo sendo estupidamente caro. Segundo as noticias que chegam da Colômbia o país está inundado e tem muitas estradas e pontes destruídas o que tornará impossível chegar a Caracas. Estou por isso encurralado no Panamá e sem saída previsível. Perante tantas adversidades decidi ir a um barbeiro local, rapar cabelo, barba e definir uma estratégia de fuga.

Gosto de cortar o cabelo em viagem, os barbeiro e os bairros onde se situam são normalmente pouco turísticos e bastante representativos do dia a dia de um determinado país. De cabeça fresca e ideias novas saio da cidade do Panamá e dirijo-me à costa caribenha à procura de uma dica que recebi. O Panamá é o país dos boatos, toda a gente conhece alguém que sabe como é, onde se consegue e qual a melhor maneira. Consegui alguns números de telefone de capitães de barcos em Puerto Belo e é para lá que vou. Vou ficar no hostal do Captain Jack um local conhecido por reunir muitos dos capitães que navegam nestas águas e que me podem levar para Cartagena das Indias na Colombia. Puerto Belo é uma vila deliciosa, vive-se um ambiente tipicamente caribenho na baia que já foi o porto mais importante das Indias Espanholas. Agora quem o governa são os modernos piratas das caraíbas, capitães reformados de todas as nacionalidades que não deixam nada a desejar aos antigos piratas, nem nas mascotes que trazem ao ombro. Por aqui já passou Colombo, Drake e o temível pirata Henry Morgan.

Este era o ponto de transito para todas as riquezas do novo mundo, do Peru ao Mar da Prata era aqui que se juntava todas as mercadorias para a travessia do Atlântico até Espanha.


















O forte Espanhol construído para defender este entreposto dos piratas ainda está de pé e mantém a sua imponência. A antiga aduana foi restaurada e é agora um mini museu que mostra artefactos das batalhas que tiveram lugar nesta baía. Agora a única batalha é a minha, a de convencer um capitão a me levar até Cartagena das Índias e daí conseguir chegar a Caracas.

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QUARTA-FEIRA, DEZEMBRO 01, 2010

PURA VIDA EN COSTA RICA



Despedi-me de La Fortuna finalmente com um vislumbre do vulcão Arenal. A Costa Rica é uma espécie de Suíça da América Central. Limpa, arranjada e cara.Há que poupar por isso as minhas refeições têm sido bastante baratas e saudáveis. A norte da cordilheira central da Costa Rica o tempo abriu e o sol voltou a acompanha-me. O Sol e grandes plantações de bananas que tanta fama deram a este país.

A floresta é tão imensa que se torna muito difícil captar isso em foto, há que estar aqui para testemunhar a pujança deste verde imenso. Apenas nos rios se consegue ter luz e amplitude suficiente para conseguir algumas imagens que pouco espelham a grandiosidade da floresta deste país. A Costa Rica está repleta de Reservas Naturais, desde a minha entrada cruzei uns 11. Ver animais é por aqui fácil, basta estar atento a miúdos na beira da estrada a olhar as arvores que isso normalmente quer dizer bicho. Já vi preguiças, tucanos de várias espécies, papagaios, araras e cobras. A cobra coral afinal era uma falsa coral, inofensiva, soube a diferença num serpentário aqui de beira de estrada, o rapaz diz que se fosse a verdadeira tb tinha riscas amarelas. Deve ser mais uma artimanha para cativar turistas, ainda bem que ninguém me veio pedir 20USD por fotografar a bicha.

Voltei ao Caribe com sol mas as nuvens ameaçadoras continuam no horizonte. Cheguei cedo por isso tive tempo de procurar um bom local para dormir. Acabei de encontrar um perfeito. Uma praia soberba com um bar de apoio e uns anfitriões simpáticos.















Têm uma casa para alugar mas é cara, dormir na praia é chuva nocturna na certa por isso entro em negociação e consigo 25USD por uma casa na praia mais bonita da Costa Rica e arredores.

Esta é só pra mim.
O Stan e a Maria são um casal búlgaro que deixou o stress e descobriu este paraíso.
Compraram um pedaço de terra, uma casa e um bar e aqui vivem felizes. Dá que pensar né. A manha seguinte sigo a minha rotina, um mergulho substitui a caminhada matinal depois fico a contemplar a praia e a tempestade que se aproxima. É bom seguir o ritmo da natureza, chove, então pára e espera que passe. Obrigado Maria, Stan and Kiko O Panamá é a poucos quilómetros de Punta Uva, a fronteira é novamente chata. Passo pela rotina habitual com a paciência habitual, fotocopias, seguro, fotocopias e policias a quererem sacar algum. Dizem que vão revistar tudo, eu aceno com a cabeça e acendo um cigarro enquanto abro as malas. Puede seguir dizem eles de imediato, viram as costas e não chateiam mais.


O meu aspecto deve ajudar, barba de 3 semanas, cabelo emaranhado pela umidade e pelo capacete, moto e roupa toda suja.... pareço mais miserável que muitos locais. As estradas boas continuam no Panamá, desta vez acompanhadas por uma costa rendada e montanhosa de onde se podem ver as ilhas Bocas del Toro, um dos ex-libris do Panamá. Deixo a costa do caribe e volto a apontar para o Pacifico.

Pelo caminho tenho de atravessar a cordilheira do norte do país que está coberta de nuvens. As nuvens não enganam e poucos quilômetros depois começa o nevoeiro e a chuva miudinha. Chego ao topo e vejo finalmente uma nesga de sol, parece que do lado de lá vou ter bom tempo. Não! a chuva continua e acompanha toda a descida até à PanAmericana.
O meu pouso hoje será numa reserva marítima que envolve uma série de ilhas conhecidas como Bocas Bravas. Chego que nem um pinto a um Fishing Lodge onde me dizem que é privado. Com ar superior dizem abrir uma exceção e alugam-me um quarto por 100 dólares. PQP!!! Sigo ensopado para o lado nativo da aldeia e descubro o único hostal de Boca Chica. Aqui não há restaurantes nem mercados nem internet nem nada. Convenço a senhora a fazer-me uma cena simples e bato meu record pessoal, adormeço às 7h30.


Amanhã vou para a cidade do Panamá.

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SEGUNDA-FEIRA, NOVEMBRO 29, 2010


DE QUE TE QUEJAS MARICÓN?

Voltei à solidão e aos meus pensamentos. Estava precisamente a reflectir sobre a sorte do Mihai que conta meses como eu como semanas. O filho da mãe dizia que daqui a 2 meses quer estar na Colômbia e eu daqui a 2 semanas se não estou lá estou bem entalado. Estava eu nestes pensamentos metafisicos quando um autocarro, sim um autocarro relembra-me a minha sorte.

De que te quejas Maricon! (frase no autocarro)

Pois é de que me queixo eu?? Afinal de contas tenho poucas semanas mas sempre vou tendo algumas e não me posso queixar, estou a fazer uma viagem inesquecível. Reanimei, voltei à terra e em boa altura porque a Costa Rica merece toda a atenção. Por aqui não é preciso muito para ver animais, basta ir na estrada. Como na maioria das vezes não os consigo apanhar em fotografias não perdi a oportunidade de fotografar este. O país está repletos de parques naturais e quase sem percebermos estamos dentro de um. Deve ser por isso normal ver uma cobra coral, uma das mais venenosas do planeta a atravessar a estrada. Saí finalmente da PanAmericana e apontei ao lago de Arenal e as famosas reservas naturais de Monteverde. A selva é das mais densas que já vi, escura, alta e coberta por uma neblina permanente. A umidade é total e sem me aperceber estou todo molhado. A estrada começa por ser boa mas as armadilhas estão sempre presentes.

Subo mais e a neblina adensa, não é à toa que chama a isto a floresta nublosa, não se vê a ponta de um... enfim, se isto fosse mais seco não era certamente tão exuberante, por isso aguenta e usufrui de um dos parques mais belos da Costa Rica. Deixo as montanhas de Monteverde e sigo a margem do lado Arenal até La Fortuna, o ponto de exploração para o mais famoso vulcão do país. O vulcão Arenal é dos mais activos de toda a América central e ainda à poucos anos matou meia centena de pessoas numa erupção mais violenta. Desta vez não se deixa ver, a carapuça de nuvens esconde o seu cume e os rios de lava que frequentemente podem ser vistos de muito longe. Meti-me em avarias e fui à procura de um atalho para chegar ao cume.



















Passado 6 quilômetros estava assim.

Quem não tem cão caça com gato por isso aproveito o resto do dia úmido e vou fazer uma caminhada até à cascata de La Fortuna. A chuva miudinha que caí por estas bandas nos últimos dias faz uma graça e em vez de uma temos duas cascatas para ver. Agora vou jantar no pueblo que é uma autentica disneylandia para grigos aventureiros, de descidas em rapel a rafting, de passeios de moto4 a piscinas termais há por aqui de tudo.
Eu vou dormir cedo mais uma vez, amanha é dia de faina, se o dia acordar com menos nuvens vou fazer uma caminhada a ver se vejo o vulcão mais de perto, se a chuvinha continuar meto-me na estrada e fujo para o sol da costa caribenha.



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SÁBADO, NOVEMBRO 27, 2010


ENTRE OS VULCÕES DA NICARÁGUA

Entrei na na famosa PanAmericana, a grande estrada que atravessa as 3 Américas. Grande só mesmo em comprimento, é chata, passa longe da maioria das atracções e tem um trafico permanente e intenso de camiões. Alem disso é perigosa e sem grande interesse paisagístico. Mas em alguma partes é a única por isso vou ter que gramar com ela até à Costa Rica.

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Quando chego à fronteira tenho um dejà vu, uma KLR igual à "minha" com alforges iguais aos meus e um saco na traseira. É a Raimunda!! Montado nela vem o Mihai, um Romeno de sorriso aberto que está a ser ajudado por um assistente de aduana O assistente diz que tb trata dos meus papeis, já sei que vou ter de largar uns dólares mas não me apetece nada andar a tirar fotocopias de guichê em guichê com este calor. Alguns caminhões da fronteira tem uma opinião semelhante à minha sobre a burocracia das Honduras. O Mihai teve a mesma ideia que eu, comprou uma KLR 650 velhinha nos Estados Unidos e há 7 meses que vem a descer desde Nova York.

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O nosso assistente de aduana volta com ar fatigado e com noticias de complicações. Juntamos um Romeno, com moto americana que fala espanhol e um português com moto mexicana que pensa que fala espanhol no mesmo embrulho e a aduana está a entrar em colapso burocrático por causa de nos, até ja deve ter acabado o toner das fotocopiadoras.



Fico mais descansando quando o guarda me diz que comigo esta tudo bem, o Mihai é que não tem o registro de propriedade da moto, tem outro documento valido nos EUA mas que aqui não vale nada. Meteu a moto em seu nome mas demorava a chegar o registro de propriedade e por isso trouxe o provisório.



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Eu trago o meu valioso "poder" com lhe chamam os guardas, uma escritura reconhecida em notário pelo proprietário da moto garantindo-me autoridade para viajar com a moto e ate agora tenho-me safado. 3 horas depois recebemos finalmente ordem de marcha, o Mihai ficou mais leve 40USD por causa da sua situação e eu acabei por o safar que ele não tinha dinheiro suficiente. Caiu a noite e seguimos juntos até a cidade mais próxima. No dia seguinte a nossa rota é semelhante, por isso Raimunda e Maria, ou melhor Mihai e eu, ultrapassamos mais uma fronteira e almoçamos numa das pérolas coloniais da Nicarágua, Leon. Degustamos um café expresso enquanto assistimos à calma que reina nesta bela praça central de Leon Alem de motos parecidas temos gostos comuns, também ele prefere os locais menos turísticos e as rotas menos movimentadas. Chegamos a Granada, a outra bela cidade colonial e descobrimos um hostal fantástico bem no centro.

Durante as minhas viagens já estacionei em lobbies de hostais, em restaurantes, em escadarias e em recepções mas nunca tinha encontrado um onde fosse possível estacionar dentro do quarto. O sol ainda aquece as paredes coloridas da cidade de maneira que desfrutamos da sempre bela luz com que termina o dia. Ao jantar saímos para a zona menos turística, a mais autentica e barata da cidade. Passa pouco das 8 da noite e já esta tudo fechado, restaurantes só no lado dos gringos. Nas nossas pesquisas conhecemos a D. Ana Joo uma senhora que tem uma banca na rua e se prontifica a nos fazer o jantar. Um frango delicioso servido na sua própria casa, numa sala que já foi hospital no século XIX. No dia seguinte percorremos a cidade sem pressas, apesar de turística não perdeu o seu carácter e a vida local segue sem pressas, sem stress e sem demasiados gringos.

As águas do lago Nicarágua banham a cidade e ao fundo um vulcão espreita ameaçador por entre as nuvens. Aliás vulcões por estes lados não faltam, desde El Salvador que as estradas serpenteiam entre cones perfeitos rodeados por floresta. Alguns soltam fumo, outros limitam-se a ornamentar o horizonte repleto de terras férteis bem aproveitadas pelos locais. As nossas rotas separam-se poucos quilômetros depois de Granada, o Mihai vai para a ilha Ometepe e daí para São Carlos onde vai procurar uma canoa que o leve até à Costa Rica.


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Eu, apesar de me agradar muito a sua rota e de ser conhecida a minha tara por meter motos em canoas, estou mais limitado de tempo, por isso vou continuar pela costa e dar um mergulho no Pacifico antes de seguir para a Costa Rica. Talvez nos voltemos a encontrar Mihai, boa viagem e aproveita os próximos meses!





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SEXTA-FEIRA, NOVEMBRO 26, 2010


Acordei cedo como é habitual, optei por apanhar um tuc-tuc até ao complexo arqueológico de Copan, é mais rápido e assim sou provavelmente o primeiro a chegar.

A minha artimanha resultou, não há ninguém, nem guarda. A floresta envolvente recebe-me com os seus sons característicos de despertar, incluindo as 6 escandalosas araras que estão nas arvores a caminho da praça central. As primeiras esculturas, ainda douradas pelo sol nascido a pouco, completam o quadro de uma memória que vai ficar na minha cabeça para sempre.

Respira-se um a tranquilidade soberba, a energia do lugar é palpável e eu sozinho, com todas as ruínas, esculturas e pirâmides só para mim.

Enquanto contemplo o lugar do cimo da acrópole a neblina desaparece e chegam os primeiros turistas. Mesmo assim poucos, muito poucos. Agarro-me a um grupo para ouvir o guia, cedo perco a paciência e procuro outros locais para investigar.
Os túneis são um bilhete à parte e eu não o quis comprar, mas a guarda está a olhar para o outro lado e como bom tuga vupt já lá estou dentro.

Ela viu-me e vem-me buscar, mas entre paredes labirínticas sofreu um bocadinho para me encontrar. Volto aos baixos relevos e às esculturas que enchem estas paredes, sem duvida as mais impressionantes de todos os templos Mayas que já vi.

Volto para o hostal, desta vez a pé, o dia começou bem mas melhora ainda mais. Consigo finalmente falar por telefone com Israel, um velejador espanhol que costuma navegar pelos mares do Panamá e Colômbia.

Adiantada que foi a data da partida do barco que tinha previsto, fiquei sem alternativas para atravessar o Darien Gap.



Agora o Israel diz-me que as nossas datas coincidem e concorda por telefone em transportar a Maria apesar do seu veleiro ser pequeno e novo.
Confesso que este era um assunto que me preocupava e foi uma grande satisfação saber estas boas noticias. Parti do hostal super animado e bem disposto, até o dia ajudou, estão umas nuvens altas e um fresco agradável, perfeito para andar de moto.

As estradas é que poderiam ser melhores, claramente a rede viária das Honduras é a pior que apanhei até agora. Derrocadas, pedaços de estrada que desapareceram e buracos gigantes, desejosos de rebentar um pneu e empenar uma jante.
Chego à fronteira com El Salvador, vou preocupado, mas com confiança, ultrapassar cada fronteira com uma moto que não está em meu nome é sempre uma lotaria.

Em vilas e cidades a busca de um hostal começa sempre pela praça principal. Não encontrei nenhum hostal mas conheci o Chris e a Mila, um casal de sul africanos backpackers que há um ano viajam pelo mundo. Recomendam-me um hostal e acabamos a jantar juntos. A Mila é escritora e mantém um excelente blog em http://idreamofdesign.wordpress.com/













Depois do jantar saímos juntos para o único bar da vila onde conhecemos a Stacy e o Tommy, norte americanos de férias numa rota só dentro de El Salvador.
A vila é pequena e deliciosa, dizem os entendidos que Antigua era assim antes de ser invadida pelo turismo de massas. Um pequeno pueblo colonial, com calçada de pedra e edifícios coloridos, aqui encaixados numa encosta tropical voltada para um lago fantástico.

De todas as casas de vê o lago rodeado por montanhas, no ar uma calma incrível, toda a gente se senta nas sombras e contempla a praça, assim passam horas, simplesmente contemplando.
Eu caminho desde cedo pela vila e chega a hora de voltar à estrada, sigo agora para sul de volta para as Honduras. Passo muito próximo do Pacifico mas li que as praias de El Salvador não são muito interessantes, por isso vou procurar as das Honduras que parecem ser bem melhores.



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TERÇA-FEIRA, NOVEMBRO 23, 2010

A MORTE DO COLIBRI


“Podia ser o titulo de um romance qualquer mas não é, aconteceu mesmo, o desgraçado do bichinho esparramou-se mesmo contra o meu casaco, ainda bem que não foi um papagaio...”


Por estas estradas todo o cuidado é pouco, buracos na berma terminam no fundo do vale as pistas de "terraceria" viram placas de margarina assim que cai uma das cargas d'água habituais desta zona.

A passagem pelo Belize foi uma agradável surpresa, é impressionante como os contactos com as pessoas podem mudar a nossa opinião sobre um determinado país. O Belize é um país muito belo, imaginem uma criança a desenhar um país tropical e ficam com uma boa imagem do país.
Casas de madeira de cores berrantes, coqueiros por todos os cantos e um bom feeling tipicamente caribenho.
Mas depois povoado por policias mal humorados, que devem aprender a não sorrir na formação para agentes da autoridade, inspirados no rigor britânico mas com a competência de barmens jamaicanos.
Desta vez foi diferente, o policia reconheceu-me e foi até bem simpático, em 15 minutos despachou-me, moto, passaporte e um sorridente “have a nice ride Carlos”.

Pelo caminho tive de assistir a um funeral. Tive porque estas cerimônias aqui envolvem todos os que passem na estrada nesse momento. Os familiares juntam-se na estrada e ocupam-na totalmente impedindo qualquer tráfego, eu de moto poderia passar pela berma mas como ninguém o fazia eu também não o fiz... ultrapassar o morto talvez não seja bom karma.

Chegado à Guatemala a experiência oposta, ainda na semana passada passei com 6 motos e nenhum problema, agora são estupidamente rigorosos e chatos. É certo que a moto não estar em meu nome não ajuda a simplificar, mas trago uma declaração de venda autenticada e bem clara, algo que para o guarda deve ser demasiado complicado. Uma conversa com a chefe da Aduana resolve o problema, mas perdi 2 horas e caiu a noite.

Os 70 quilômetros daqui ao lago de Peten são desertos e famosos pelos roubos nocturnos, não arrisco, fico já aqui. A chefe da Aduana pinta a cidade como um antro de bandidagem, diz que está ali destacada a contar os dias para voltar para a sua cidade. Quanto mais entro para o centro mais começo a concordar com ela, oiço bangs, parecem foguetes mas não há luzes no céu.

Aliás nem no ceu nem em lado nenhum, são 8 da noite e está um breu total. Sigo o seu conselho e vou para o melhor e único hotel da cidade. Abrem-me a porta 2 seguranças com caçadeiras de cano curto na mão, “buenas noches senõr”.

Entro já meio a medo, uma recepcionista gordinha e baixinha diz-me que o quarto custa 35 USD. Faço cara de ainda mais assustado e ela sem me deixar dizer nada diz OK 15USD. O hotel é um quarteirão rodeado por edifícios, no centro um pequeno jardim de cimento e à volta “habitaciones” com ar de motel, estaciona à porta e já estamos no quarto. Porreiro.

Continuo-o a escutar os bangs, pergunto à recepcionista se há alguma fiesta na cidade. Ela diz que não, que é quase sempre assim, são comemorações mas nem há festa nem bares nem discotecas na cidade, apenas comemorações privadas...

Ok passo seguinte jantar, ela muito prestável diz que é melhor comer no restaurante do hotel. Eu por mim até me dá jeito que não tenho muitos quetzales e assim pago tudo com o cartão. O restaurante é assustador, limpo e organizado mas decorado com peles e cabeças e animais empalhados. Conto pelo menos 6 jaguares, várias tartarugas, crocodilos de todos os tamanhos, cobras, tudo esparramado nas paredes. Perdi o apetite, peço uns tacos e vou comer para o quarto.

A manhã seguinte acorda nublada, optimo, menos calor. Avanço pela pista de terra branca que há alguns dias estava impecável. Agora é uma espécie de patê difícil de negociar com os meus pneus de ir ao morango.

Chego cedo à fronteira das Honduras, talvez dê ainda para ver as ruínas de Copan hoje penso enquanto me dirijo para a Aduana. 2 horas depois, já com o sol a desaparecer atrás das montanhas entro finalmente nas Honduras.


O processo de importação temporário de um veiculo por aqui deve ser mais documentado que um transplante de coração em Portugal... tive de tirar 3 fotocopias de passaporte, registro da moto, declaração de venda, recibo de pagamento e voltar a fotocopiar tudo depois de carimbado. Foram 35USD para a importação e mais uns 20 só em fotocopias...

Agora estou num agradável hostal perto das ruínas de Copan, nas montanhas das Honduras. Amanha cedo vou finalmente ver a ultima zona arqueológica Maya que me falta, depois digo se vale a pena.

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SEGUNDA-FEIRA, NOVEMBRO 22, 2010

A RAIMUNDA E A MARIA, A MOTOCICLETA

A Raimunda é uma Kawasaki KLR 650 de 2002 com cerca de 35000 milhas. "Chama-se Raimunda por razoes obvias, é feia de cara e horrível de bunda"...

Comprei-a no México com a promessa do seu antigo dono que antes da viagem levaria uma boa revisão para se aguentar nos 4500 quilômetros que nos esperam.

Mas as peças para a grande revisão da Raimunda não chegaram a tempo e por isso o seu proprietário mexicano, homem que honra compromissos, resolveu vender-me antes uma Suzuki DR650, ... bastante mais nova e com menos rodagem.

O seu deposito de combustível é um pouco maior que o de origem e mesmo não sendo enorme, tem capacidade suficiente para garantir uma autonomia de 350 quilômetros entre abastecimentos.


O seu antigo proprietário montou-lhe também um banco Corbin, bem mais confortável do que o de origem.

Para terminar um nome, ela precisa de outro nome, afinal não é assim tão feia para merecer o nome de Raimunda. MARIA, vai se chamar MARIA, a singela e modesta MARIA.
 
 
 
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Comentários (3)

18/1/2011 11:25:16
REINALDO SOARES
Como vai, sou de Nova Friburgo apesar de estar-mos com dificuldade,continuo no meu projeto que sera sair de minha cidade e rotar ate os EUA para rodar no que restou da Route 66
poderia me ajudar com mais alguma dica alem das ja postadas,principalmente contatos nos paises da america central.
meus parabens pela realização.
 
30/12/2010 14:35:23
SINOMAR GODOIS TAVARES
Carlos, Em Abril/11 saio do Brasil rumo ao Alaska numa Shadow 750. Gostaria de dicas sobre a travessia do Darien Gap, principalmente com relação a preços que você pagou para o capitão travessar você e a Maria.

Muito obrigado
 
28/12/2010 13:11:54
REINALDO SOARES
bela viagem tenho projeto parecido de onde você e podemos ir nos comunicando você tem muita informação que eu vou necessitar.
um feliz ano novo.
 

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