Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

18/11/2015 - "Oi nóis aqui travêis!"

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Há alguns anos , enquanto esperava para cruzar em uma fronteira qualquer da África, fiz um gesto denotando impaciência para o agente, apontando para o meu relógio e ele, calmamente, disse:
Vocês, os brancos, possuem relógios.
Nós, os africanos, temos o TEMPO!
Essa interessante reflexão e inteligente bronca, permaneceu comigo durante todos esses anos e estava em meus pensamentos quando, em Julho, deixei com a moto minha casa para passar em viagem (e dono de meu proprio tempo), na estrada, os próximos meses.
O que fazer do tempo disponível, como ocupá-lo, o que fazer dele, era essa a minha grande preocupação. Com uma certa evidência, esta é a primeira vez em minha vida que viajo por mais do que 30 dias.
Muitos podem pensar que alguém que se lança em uma viagem de vários meses através do mundo, com um veículo que implica em um certo risco e que visivelmente carrega uma certa fragilidade e exposição, se preocupa unicamente com as condições das estradas, com o clima, a segurança pessoal, etc.
Eu, estava curiosamente bem mais inquieto com a equação e abordagem do meu tempo e o que fazer com ele durante a viagem.
Dias e semanas totalmente solitários e dedicados à tarefa que me dispus a efetuar: viajar, apreciar, conhecer, interagir, em suma: viver essa jornada até o final.
Nesses meses de convivência comigo mesmo, acabei por criar uma rotina que nunca tinha tido, (pois não sou dado a processos rotineiros), para bem utilizar meu tempo, sem criar obrigações ou imposições que de uma certa maneira "engessariam" a viagem e a tornariam quadrada, burocrática, previsível e obviamente, muito menos divertida.
O homem tem no tempo uma de suas maiores obsessões e, medí-lo criou, paradoxalmente, uma de suas maiores angústias.
Percorrendo com minha moto vastas regiões como a Mongólia e a Sibéria, tive uma noção de tempo relativa, irreal, estranha.
Viajando sempre para o leste, os fusos horários se sucedem a cada dois ou três dias e você acaba por perder totalmente a referência do que vê em seu "relógio de branco" , passando a viver em um horário aproximado, difuso e pouco preciso.
Deixar as agulhas correr, e com sua moto, percorrer. Essa é a filosofia.
Igualmente, o tempo presente, tão bem vindo nessa experiência, lhe permite uma reflexão do seu percurso, da viagem e da sua vida, assim como, sem muito deter - se, na expressão literal, te dá a oportunidade da consideração e, porque não, o devido planejamento do futuro.
Por uma questão de momento de vida, esta viagem serve para mim como um "rite de passage", uma transição.
Em algum momento, acho que foi na Coréia, alguém perguntou qual era o significado desta viagem para mim.
Minha resposta, rápida e natural foi: Nenhum.
Não pretendi dar a uma viagem de moto, por mais longa que seja, nenhum significado emocional, espiritual, psicológico, ou algo do gênero.
É só uma viagem onde posso apreciar e viver experiências que talvez acrescentem algo em minha vida, ou talvez não, mas sobretudo, poder refletir.
Nessa linha, e se tudo correr bem, terei vivido e apreciado um percurso culturalmente novo, onde aprimoro o prazer de estar comigo mesmo e aprendo a organizar melhor meus próprios pensamentos, reflexões e planos enquanto cuido de meu dia-a-dia e a rotina de um viajante.
Só isso, já vale a viagem.
Tenho visitado países que não conhecia e que, em sendo orientais, regem-se por uma filosofia onde o tempo é medido por eras, dinastias ou milênios.
O que significam os 60 anos em que as duas Coréias estão divididas?
O que representam os 50 anos de ditadura no Mianmar; os 70 anos da bomba de Hiroshima; ou os 10 anos desde o Tsunami na região sul da Tailândia onde me encontro?
São finalmente apenas frações ínfimas de tempo em culturas e países onde este se mede e é contado em épocas bem mais longas..
Nos últimos dias, estive visitando praias e cidades que foram totalmente devastadas pelo grande Tsunami no Natal de 2004, há quase 11 anos.
Lugares paradisíacos, habitados por gente simples, que vive ali há muitas gerações.
Em poucos minutos, essas cidades deixaram de existir, engolidas com seus habitantes por força e capricho da natureza.
Uma década depois, ainda se encontram cicatrizes na forma de ruínas e restos de hotéis e moradias, mas sobretudo, percebe - se que a vida retomou apesar de tudo, sua forca e normalidade e o tempo, ainda que curto, obviamente ajuda a cicatrizar as duras e profundas feridas.
O mar continua ali, tranquilo e belo como sempre foi há tantos séculos e não será um dia de fúria que deverá alterar a rotina milenar desse povo de profunda fé em seu budismo e na crença de uma nova vida mais além.
Minha viagem e o tempo que me ofereci correm agora, após 4 meses, de forma tranquila e quase serena.
Aprendi a utilizá-lo da maneira oriental:
Se chove, sente-se e espere que passe, se possível com uma boa taça de chá na mão.
Viajar pela Tailândia é muito distante do que se define como uma aventura e à qual me dediquei na primeira parte deste longo percurso.
É um país onde tudo é curiosamente fácil e descomplicado.
A comida é sempre disponível e deliciosa, os mercados permanecem abertos até bem tarde à noite, o combustível é bom e barato e, finalmente, a oferta de hotéis, a preços convenientes, deixa múltiplas opções de escolha para qualquer orçamento.
Visito a famosa ilha de Phuket por dois dias e me ofereço um bom hotel pertencente à uma rede internacional.
Sei que estou muito distante em termos reais, emocionais, psicológicos e de conforto, do que foi minha viagem nas belas paragens selvagens e bem pouco hospitaleiras da Mongólia e da Sibéria.
Percebo, com uma ponta de humor, que agora, nas últimas semanas, quase tornei-me um turista de férias, o que, de uma certa forma, sempre fui.
Parece ser a "viagem dentro da viagem".
Minha única aventura recentemente tem sido desviar das milhares de motocicletas no trânsito e enfrentar cotidianamente a apimentada cozinha tailandesa.
Curiosamente, pequenas coincidências continuam a se suceder, como o encontro no Novotel de Phuket, com Cláudio e Lúcia, gaúchos de Porto Alegre, com quem descubro ter amigos comuns em nossa terra.
Super densamente construída e hiper explorada, a bela ilha de Phuket se tornou um lugar quase insuportável para quem quer beleza, paz e tranquilidade.
A alta temporada já começou na Tailândia, sobretudo no sul, onde me encontro.
A boa notícia disso é que as chuvas amainaram, ou quase.
A má notícia, é que os turistas chegam aos milhares, e de todas as partes do mundo. Sobretudo, muitos russos para quem se escreve os menus de restaurantes em cirílico.
Nas belas baías de Ko Phi Phi, uma ilha paradisíaca, duas mil pessoas se acotovelam nos exíguos 200 metros de Maia, para apreciar a famosa enseada e sua água de cor esmeralda, após pagar 11 dólares de taxa para poder simplesmente pisar nas suas areias brancas, retratadas no filme com Leonardo Di Caprio, "The Beach ".
Ali, sou testemunha de brasileiros dançando samba sobre um barco, chineses dando bananas aos macacos nas falésias de Ko Phi Phi e europeus com suas imensas mochilas e aspecto alternativo, que passam de ilha em ilha, procurando pelo esquivo e diáfano, nirvana.
Nisso tudo, teimo em recordar a mim mesmo que sou um motociclista e que preciso novamente carregar minha bagagem na moto e continuar meu proposto caminho.
O conforto é sabidamente, um vício.
Após dias de mar azul turquesa e praias maravilhosas, é hora de avançar, sacudir a preguiça, enfrentar o calor e voltar a descobrir.
Deixo Phuket com um certo alívio e uma espécie de pressa, um tipo de urgência.
Ao cruzar pelo posto de controle policial da ilha, percebo um grande número de motocicletas estacionadas.
Paro a moto e sou logo rodeado por tailandeses em coletes cheios de badges, vestindo bandanas e camisetas do gênero.
A manifestação é para uma doação à viúva de um motociclista da polícia morto em acidente.
Junto - me a eles e faço minha contribuição.
Os bikers locais apreciam meu gesto e fazemos muitas fotos juntos.
Ali, percebo um grupo de motociclistas malaios, com máquinas semelhantes à minha.
Faço um elogio ao seu bom gosto em termos de escolha de moto, e a simpatia fica estabelecida.
A conversa rola agradável por uma meia hora e acaba por influenciar meu roteiro de viagem, pois sou convidado a vir, uma vez na Malásia, a Penang, a ilha onde eles vivem, para um jantar e um tour pela região na companhia desses parceiros,
Ao partir dali, meu coração se alegra com a constatação de que sinceramente, ser turista é muito bom, mas ser motociclista em viagem é muito melhor!
"Oi nóis aqui travêis!"
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Comentários (1)

28/6/2016 15:39:02
NMJYRJ2A5R
Absolutely first rate and co-rtppboteomed, gentlemen!
 

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