27/10/2015 - Luang Prabang
Ao entardecer, a tempo de admirar um pôr do sol de calendário na supreendentemente bela cidade de Luang Prabang, jóia da arquitetura colonial no coração do Laos, vou levando minha avantajada moto entre tuc-tucs, bicicletas, turistas em scooters e o trânsito intensamente normal de um fim de jornada.
Meu hotel não honra a reserva feita por Booking.com e sou obrigado a procurar outro.
É o início da temporada alta e tenho portanto alguma dificuldade em conseguir um quarto para essa noite.
É sempre penosa e sofrida esse tipo de busca por alojamento no encerrar do dia e igualmente ao final de muitos quilômetros de estradas laboriosas onde a fadiga se instala e a paciência, invariavelmente se reduz ao mínimo.
Prabang, localizada na confluência de dois rios, o grande Mekong e o Nam Khang, forma uma interessante península onde encontramos ali convivendo os fantasmas de um passado colonial francês, mesclados a templos e palácios da velha cultura Lao, em um animado e ruidoso momento atual e capitalista, de tendas, camelôs, vendedores de espetinhos de frango e de peixe defumado, tudo isso com sabor e aroma de exotismo e jeito de Ásia.
A cidade, merecidamente classificada como Patrimônio da UNESCO é atrativa e charmosa, mantendo sua personalidade e seus ares dos tempos da Indochina.
Seus cafés e bares, seus mercados tradicionais e sua ebulição turística, atrai visitantes de todas as idades e de todos lugares, mas sobretudo jovens europeus e americanos que chegam em busca de novas e exóticas experiências.
Deixo - me seduzir pela oportunidade de tomar um inesperado e bem-vindo gin-tônica em um agradável bar junto ao Mekong, ao mesmo tempo que aprecio a dinâmica da cidade, seus ruídos e movimentos, em seu melhor período do ano.
A estação das chuvas está no fim e chega o "inverno" onde as temperaturas baixam dos regulamentares 30 graus , e as precipitações se reduzem, propiciando um tempo mais clemente e a chegada de centenas de visitantes que, como eu, desembarcam para admirar a cidade, seus arredores e suas inúmeras atividades relacionadas com a natureza e o mundo selvagem neste pequeno país tropical de ideologia ainda ferrenhamente comunista.
Nesses momentos de reflexão sobre o sentido de viajar, o por quê de querer ver, sentir, absorver novas experiências, sempre provocados por uma curiosidade que em muitos de nós acaba por se tornar quase vital, sentimos uma enorme tranquilidade, uma deliciosa sensação de realização.
Estar ali, naquele lugar e naquele preciso instante é tudo o que conta.
Quem sabe, tudo isso seja pelo fato de que não precisamos trabalhar na manhã seguinte...
Decido então, porque ela me agrada, permanecer na cidade mais um dia e conhecer este belo lugar sem pressa, sem horários nem compromissos.
No café em que me encontro, estabeleço uma agradável conversa com um casal de norte-americanos que me sugere para o dia seguinte, uma visita ao centro de recuperação de elefantes, a 15 km de distância.
No Laos, sobrevivem ainda uns 1200 elefantes, dos quais uma boa parte são selvagens, vivendo nas florestas e a outra parte, foram domesticados e durante muito anos, utilizados nas mais diversas tarefas a serviço do ser humano, nem sempre em condições dignas de tratamento e cuidado.
Com o advento da vida moderna, o trator, a empilhadeira, o caminhão e outras máquinas passaram a substituir o trabalho pesado exercido tadicionalmente pelo elefante nos países do sudeste asiático.
Esse animal, que chega a consumir 300 kg de alimento ao dia, é um encargo importante para seu proprietário, sobretudo se ele não produzir.
Assim, com com a impossibilidade de fazê-los trabalhar, nos últimos 20 anos, muitos elefantes foram vendidos para outros países, a circos e zoológicos, ou, o que é pior, foram sacrificados por seus proprietários por não terem, este últimos, condições econômicas de mantê - los.
Alguns centros vem sendo estabelecidos pela recentemente criada "iniciativa privada" no Laos, para preservar e dar dignidade a esse nobre e inteligente animal, símbolo último e maior deste país.
O lugar que decido visitar no dia seguinte é um desses centros que a partir do ingresso pago pelos turistas , consegue manter um certo número de elefantes recuperados de uma vida de tratamento indigno e cruel.
Mal sabia eu, que nesse Campo de Elefantes eu viveria a primeira de três episódios de grandes emoções nas 24 horas que se deveriam seguir.
Emoções estas, por razões diversas, em situações diferentes entre si mas todas propiciadas pela viagem, pelo movimento e pelo prazer simples de viver.
Portanto, após uma longa e tranquila matinal caminhada pelas harmoniosamente arborizadas ruas de Prabang onde pude admirar seus casarões cheios de valor histórico, que hoje foram transformados em charmosos hotéis, além de seus templos budistas, subo em minha moto e me dirijo ao o curioso encontro com os elefantes.
Confesso que, à exceção de um curto contato com um desses paquidermes no Sri Lanka pelos idos de 1990, jamais tinha me aproximado de um deles.
Este centro particular abriga 14 elefantes, comprados na região, sendo que dois deles são ainda bastante jovens e brincalhões, fazem, a alegria da garotada que os visita.
Ao chegar, recebemos instruções de como proceder e sobretudo, como entender, as reações e respostas desse imenso animal.
Ele é inteligente e percebe as pessoas pelo olfato e por suas vibrações.
Pode gostar de você, ou não. (Exatamente como os humanos...)
Fascinante.
Damos a eles talos de bananeira, um de seus alimentos preferidos.
Somos então levados, na clássica e tradicional cadeirinha, a dar um passeio no lombo do elefante.
A altura é impressionante, mas não o passeio.
Tipicamente turístico, é lento e desinteressante.
Quando me preparo para retornar à cidade um tanto quanto decepcionado, sou chamado pelo gerente com quem tive a oportunidade de conversar, e ele me propõe algo que vai me dar uma das melhores experiências de toda esta viagem, e a primeira de três grandes emoções nas horas que seguirão :
Devem levar três elefantes para um banho no rio Mekong e ele me pergunta se eu quero acompanhar, montado em um deles.
É claro! Respondo.
Assim, desço até a barranca do enorme rio com suas águas de cor marrom, e o cuidador (cada elefante tem uma única pessoa em que ele confia e obedece), com comandos unicamente verbais e sem tocar no animal, faz com que ele encoste a cabeça em um desnível da praia e, sem camisa, subo pela cabeça e me instalo no pescoço do grande animal.
Atrás de mim, também montado, está o jovem que cuida desse elefante em particular.
Está claro que eu não tenho habilitação para conduzir elefante. Mesmo se a BMW que conduzo tem "quase" o mesmo peso.....
Recebo uma bacia de plástico e uma escova e o animal entra sossegada e lentamente nas águas calmas do Mekong até ficar quase completamente imerso.
Com a cabeça sob a água, ele utiliza a sua tromba como uma espécie de "snorkel" para continuar respirando e fica curtindo o frescor do rio na maior tranquilidade.
O treinador e eu, passamos a escovar o animal, o que ele visivelmente aprecia.
Em meu entorno há dois outros turistas que também vivem a mesma experiência.
Sinto-me um garoto nesse momento. Os 15 ou 20 minutos que dura essa atividade são de muita alegria e uma genuína descoberta.
Retorno ao meu hotel feliz com essa interessante experiência e me preparo pra jantar com dois novos amigos, pilotos espanhóis, que voam para a Lao Airlines, a companhia aérea local.
Deixo a bela Louang Prabang bem cedo na manhã seguinte, na tentativa de evitar o calor do dia e tomo a direção sul, para Vientiane, a capital do Laos.
A estrada, em péssimo estado, revela-se ao mesmo tempo, belíssima, com uma paisagem de tirar o fôlego, e, em paralelo, traiçoeira e perigosa, onde todo o cuidado na condução da moto, é pouco.
Inúmeros trechos sem asfalto, cuja visibilidade é perturbada por uma densa poeira, com a circulação de caminhões trabalhando na reconstrução da estrada e o movimento normal de veículos transitando nessa veia essencial de comunicação entre a China, ao norte e o Laos.
Tudo isso, faz dessa estrada um perigo em potencial, que eu nesse dia iria experimentar na prática, e que se constituiria em minha segunda grande carga de emoção nesse tão curto período de tempo.
Em um lindo e provocante trecho de montanha, coloco em funcionamento a câmera de vídeo "GoPro" que tenho acoplada na parte dianteira da moto e vou conduzindo entre o cuidado e o prazer de admirar a magnífica paisagem de montanhas entremeadas de campos cultivados de um dourado arroz.
Essas lavouras, cartão-postal;da região, se vem pontilhadas de agricultores com seus indefectíveis chapéus cônicos de palha, clichê da Indochina.
Subo por uma série de curvas e encontro um trecho em que a estrada estrada está em obras.
A superfície foi recoberta de saibro ou de de argila, para receber posteriormente a camada de asfalto.
Reduzo a velocidade com cautela, sinto a superfície nos pneus e volto a acelerar com confiança.
Passo em um setor onde há máquinas e caminhões e entro em um trecho reto, sem aparentes obstáculos.
Acelero bem, e nesse momento, percebo que o saibro ou a argila, estava generosamente encharcado à minha frente.
Meus pneus foram trocados no Japão e não são para superfícies de terra ou barro. . São para o asfalto.
Entro nessa lama escorregadia com muita velocidade, em torno de 60 ou 70 km/h, e pneus lisos. É definitivamente excessivo.
Sem muits convicção, penso que se mantiver o guidon firme, posso cruzar esse trecho crítico que não deve ter mais do que 30 metros de extensão. .
Impossível freiar agora.
Infelizmente, para complicar o que já é crítico, diante de mim há um enorme buraco cheio de água.
Sou obrigado a desviar e, é nesse momento que a moto desliza para a direita e tomba quase que suavemente.
Mantendo a minha posição na sela e as mãos no guidon, me vejo arrastar com a moto na horizontal, por uns 10 ou 15 metros.
Minhas costas, no chão, e a moto me levando pela frente, com sua "delicada" inércia de 300 kg.
Nesse momento, minha preocupação foi a de não ter todo o peso da motocicleta sobre mim, o que poderia me ferir.
A moto, após alguns instantes de arrastro que me pareceram intermináveis, se detém.
A buzina, pressionada pelo deslocamento da bolsa do tanque soa estridentemente, acrescentando dramaticidade ao momento.
Alguns trabalhadores, testemunhas da espetacular rodada, correm para me ajudar, já que minha perna ficou presa sob a moto e não consigo me levantar.
Graças ao equipamento de boa qualidade que sempre uso, uma vez a moto em pé, verifico não ter sofrido o menor arranhão.
A moto, sempre boa de tombo, resiste bem, gracas às suas barras de proteção e sua constituição mais do que sólida.
É forte, a alemã.
Curiosamente, filmei a inesperada cena e esta permanecerá em registro histórico de um momento fugaz de grande emoção, e também, como lição a ser retida no futuro.
Prudência e cautela nunca são suficientes.
Excesso de confiança não é bom para para a saúde quando se viaja de moto.
Sigo meu caminho, após agradecer às pessoas que me ajudaram, a quem proporcionei um belíssimo espetáculo com essa espetacular derrapagem e queda.
Decido fazer uma pausa a alguns quilômetros depois, para avaliar com mais tranquilidade se não há realmente nenhum dano à moto que possa me trazer problemas no futuro e, com cabeça fria, analisar e refletir sobre o acontecido.
Subindo uma nova série de montanhas, passo por dois ciclistas obviamente em viagem.
Com suas "magrelas" carregadas de valises, eles visivelmente vem de longe naquele ritmo de muita paciência: um pedal na frente do outro.
Paro a moto um pouco mais adiante e procedo à minha necessaria verificação.
Eles chegam, e decidem fazer também uma pausa para descanso após uma subida fortemente íngreme.
Nesse momento reconheço Henrik, um jovem alemão com quem cruzei na Mongólia, há quase três meses!
Naquela oportunidade, a 100 km de Ulam Batoor, parei a moto para conversar com ele, pois tenho um grande respeito e admiração por quem viaja com esse frágil meio de transporte.
Ambos ficamos extremamente surpresos e emocionados por essa enorme coincidência.
É mais uma dessas evidências de que na vida há situações absolutamente inexplicáveis e que nada acontece por acaso.
Eu, fiz o caminho em torno da China, pelo Japão, Coréia e Tailândia.
Ele, atravessou a China, parcialmente de trem, em uma viagem de mais de 8000 km, para vir a se encontrar, por acaso, comigo na mesma estrada, no mesmo instante, no Laos.
E definitivamente trazendo-me um grande momento de emoção como uma espécie de agradável compensação pelo impacto físico e psicológico que eu acabava de sofrer. O improvável reencontro com esse tranquilo viajante que conhece o mundo a 30 km/h desde o guidon de sua bicicleta, trouxe-me, de uma certa maneira, a tranquilidade que eu precisava nesse momento.
O prazer quase indescritível de encontrar pessoas nessas circunstâncias, a emoção de montar um enorme animal imerso nas águas de um mítico rio como o Mekong, isso tudo, realmente não tem preço.
É o puro prazer de viajar.
Quanto à indesejável e inesperada queda de moto, bem, ela seguramente entrará para os anais de meu folclore pessoal e será mais uma anedota a contar no futuro como parte de uma bagagem que começa a acumular algumas viagens através de nosso adorável planeta.
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Ricardo Lugris |
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