22/09/2015 - Hiroshima
Em um único flash, toda a vida foi incompreensivelmente interrompida a 600 metros de altura sobre o céu de Hiroshima.
Eram 8:15h, do dia 6 de Agosto de 1945.
Tudo, nesse instante, mudou brutalmente nessa cidade localizada no sudoeste do Japão e sem maiores importâncias estratégicas.
E com Hiroshima, inexoravelmente desmoronou-se um Japão nacional-militarista de então, que se lançara em um espansionismo febril e violento desde a Manchúria, até o Oceano (curiosamente chamado de) Pacífico, chegando a ocupar com grande crueldade e violência todo o Sudeste Asiático.
A guerra estava perdida há muito tempo mas era mister prolongá-la e preservar a "honra" de seus líderes.
O estupor e incompreensão na utilização de uma nova bomba, da qual não se conheciam totalmente os efeitos, imediatos e futuros, me porta aos versos tristemente poéticos da bela canção dos "Secos &Molhados", na inconfundível e metálica voz de Ney Matogrosso:
"a rosa de Hiroshima, estúpida, inválida,
A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica,
Sem cor sem perfume, sem rosa, sem nada"
Essa cidade, símbolo de morte e destruição, está em nosso memória histórica como um lugar de martírio , e assim também outros sítios pelo mundo de similar percepção, como: Verdún, Gallipoli, Auschwitz -Birkenau, Dresden, etc., todos, síntese da incomensurável sanha e estupidez do homem moderno.
Esses lugares tornaram-se, apesar deles próprios, tristes exemplos a recordar e a não repetir.
Símbolos da extrema crueldade de seres que deveriam ser pensantes, inteligentes mas se deixam levar por ambições e levam inconscientes coletivos a ações desmedidas e altamente destruidoras.
Hiroshima, por força da violência, recriou-se em harmonia e resignação.
Sem ódio, sem ressentimentos, ponderando e reconhecendo a responsabilidade de seu próprio regime de até 1945, ela com seu involuntário martírio, ajudou o Japão a mudar.
Seu imperador finalmente teve que descer de seu divino pedestal.
Teve então que falar ao seu povo pela primeira vez, reconhecendo a derrota e ainda que engolir uma sucessiva e longa ocupação pelos vitoriosos.
O Japão deu provas de reconhecimento de seus erros com a determinação de não mais ter forças armadas ofensivas e integrou-se novamente à comunidade internacional com outra mentalidade, sediando os Jogos olímpicos em sua capital, apenas 19 anos do final do conflito e daquele exato momento em que o tempo parou pela explosão da "rosa hereditária".
A bela cidade de Hiroshima nos dias de hoje, não corresponde em absoluto à imagem que guardamos dela nas fotos que se seguiram àquele terrível 6 de agosto.
Da morte e destruição em um milésimo de segundo, surgiu a vida, a pujança, a harmonia que deve ainda perdurar por muitos anos pois há claramente a presença de um dever de consciência e de memória para as gerações que se seguem.
Daquele momento de inferno, ficaram as ruínas do Palácio de Comércio da Prefeitura que, ao estar exatamente sob o lugar onde explodiu a bomba A, ("carinhosamente" e cinicamente chamada por quem a concebeu, de "Fat Boy"), teve suas paredes preservadas da onda de choque e temperatura que se seguiu imediatamente à explosão.
O belo prédio, construído nos anos 20 e projetado por um arquiteto Húngaro, permanece ali, com seus tijolos aparentes, suas paredes ainda queimadas e sua cúpula, a cúpula da bomba, como é chamada, a testemunhar esse momento de grande tristeza na história humana.
Hiroshima hoje, supreende por sua harmonia, seus bulevares, suas avenidas, seus prédios modernos e sua febril atividade transbordando de vida.
Ela é, sem dúvida alguma, um grande exemplo de superação, assim como o é este extraordinário país que tenho a oportunidade de percorrer , no detalhe permitido pelas duas rodas.
Percorrendo as alamedas de um parque harmônico, delicado e nostálgico que rodeia hoje a "cúpula da bomba A", não se tem a menor idéia do que exatamente pode ter acontecido ali.
O museu e os monumentos de memória, tem, em conjunto, a responsabilidade de passar uma justa idéia e a severa advertência para cada visitante hoje e nas gerações que se seguirão.
Ainda existem mais de 10 mil ogivas nucleares espalhadas pelo mundo.
Os USA e a Rússia competem entre si com mais de 3000, cada um, seguidos da França, Reino Unido e outras nações que eu considero como "aprendizes de feiticeiro" no setor nuclear de defesa.
Hiroshima, e sua pequena irmã, Nagasaki, conheceram na pele e na carne, a "rosa radioativa, estúpida e inválida".
A primeira , que visito nesta viagem, é uma linda surpresa.
Apesar da discreta tristeza que ela abriga, Hiroshima prefere hoje dedicar-se às belas rosas "com cor e perfume", contrariando a canção, e também às lindas cerejeiras de seu imenso e acolhedor jardim no centro da cidade.
Ali, onde tudo aconteceu, no ponto zero, esse lugar é hoje legítima, serena e conscientemente chamado de Parque da Paz.
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Ricardo Lugris |
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