Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

06/09/2015 - Mongólia

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Sem sombra de dúvida o verão vai chegando ao fim na Mongólia.
E por estas paragens, o Outono significa apenas uma rápida passagem para o inverno.
As evidências estão no nosso entorno, para quem quer ver:
Os tropeiros nômades e as famílias desmontando seus Gers para transportá-los à lugares mais abrigados do que as estepes ou o deserto.
Alguns, vão preferir se instalar na periferia das cidades e vilarejos onde conviverão em seus clãs e famílias, o isolamento inevitável do rigoroso inverno do Gobi.
Os mercados de animais para as últimas vendas, a colheita do feno e da forragem para manter a tropa durante o frio, as tardes que duram bem menos e, as madrugadas onde o termômetro já marca quase zero.
Sem dúvida, por esses e muitos outros detalhes, a Mongólia deixará uma lembrança nítida, forte e bem marcada em mim.
É um daqueles lugares que te convidam a voltar.
E é seguramente um lugar de paradoxos:
Seus espaços vazios, estepes e desertos são preenchidos pelo carinho e generosidade de seu povo;
o trânsito impossível é compensado por aquele gesto amigável e um belo sorriso a cada semáforo;
as tradições e sua história se aliam a um país jovem, dinâmico e moderno;
suas pistas e estradas impossíveis fazem, em compensação, a concentração e o prazer e o desafio de conduzir para qualquer motociclista que se preze.
Foi, decididamente, muito bom ter estado aqui.
Fico feliz em ter feito um desvio de quase 2000 km em meu roteiro para conhecer a terra que leva a memória e herança do grande Gengis Khan.
Tomo, desde o Gobi, a direção norte para os 700 km que me levarão à capital e para um pernoite na pousada Oasis.
Em estrada fácil e com um belo dia de sol, com a amenidade da música no capacete e alguns tic-tacs transformam minha moto em uma "quase-first class".
Umas quantas cervejas com outros motociclistas em viagem alegram a noitada em Ulaanbaatar.
Vou, nessa noite, dormir, "regado", cansado, mas feliz.
Acordo "por gravidade" no Yurt, e tomo, através da caótica e barulhenta Ulaanbaatar, a direção da fronteira Russa, a 400 km ao norte.
Não tinha, na vinda, reparado na grande beleza dessa estrada que, apesar do frio que começa a fazer, me proporciona um grande prazer em conduzir a moto entre montanhas, vales e quebradas.
Faço uma pausa um pouco antes da fronteira, em um pequeno e simples santuário budista, no alto de uma montanha.
Pelo sim, pelo não, agradeço a Budda pelo privilégio de ter estado aqui, neste distante país.
Na fronteira, encontro uma fila de automóveis e o indefectível portão fechado.
Armo-me de paciência, retiro algumas tangerinas de minha bolsa, sento-me na calçada e, como em um estádio de futebol antigamente, me ponho a degustar tangerinas psicologicamente preparado para a longa espera.
(Peço desculpas aos meus amigos gaúchos no FB que preferem o nobre termo, "bergamota" , derivado de "bergamotte". Na França, o nome de um tipo de tangerina).
O guarda do portão me olha, ofereço uma tangerina e ele aquiesce.
Jogo uma para ele e continuo curtindo minhas frutinhas.
O portão abre e o guarda me faz sinal para passar em prioridade, diante dos carros...
Preciso lembrar de trazer mais tangerinas e Dolipranes na próxima viagem à Mongólia. Funciona!
Termino o dia já na imensa Mother Russia, descendo os últimos 200 km para Ulan Ude onde reservei o elegante Baikal Plaza Hotel para essa noite.
Um apartamento com ducha e toalete fará toda a diferença.
Ao chegar, o porteiro, em seu belo uniforme vermelho e luvas brancas, me reconhece, (ou reconhece a moto, não sei) e vem para ajudar com as valises.
Percebo o estado lamentável de minha roupa, moto e valises externas, totalmente cobertas de poeira das pistas mongóis quando o porteiro, em um gesto célere, retira suas imaculadas luvas antes de pegar minhas bolsas...
Na manhã seguinte, descansado e bem alimentado, parto. Sempre para o leste, deixando a exótica capital dos Buriats em direção a Chita, uma cidade que, pelo seu nome, parece ter sido batizada por Johnny Weissmuller.
A uma centena de quilômetros na Transsiberiana, vejo diante de mim uma moto.
Me aproximo e, o colega motociclista, ao me perceber pelo retrovisor, põe o pisca e pára no acostamento.
Constato que a placa é japonesa.
Efetivamente, da sela de uma vetusta Kawasaki 400cc, com um visível excesso de bagagem, desmonta um japonês com não mais do que 1.60 m de estatura.
Simpático e falante, Shoy está retornando da Alemanha para o Japão.
Quer dizer, ele foi do Japão para a Alemanha com sua moto e agora está re-tor-nan-do.
Significa que ele está fazendo simplesmente o DOBRO do que eu devo fazer em minha viagem até o Japão.
Olho para sua honorável Kawa 400 e para minha imponente GS1200 e não resisto um sorriso de reconhecimento do verdadeiro motociclista que tenho na minha frente. Do alto de seus 1,60 m. Tudo na vida precisa ser relativizado, inclusive minha viagem que até então eu achava enorme. Pois, não é.
Shoy, como todo japonês, muito prático, passa a fornecer - me informações importantes sobre a rota até Vladivostok.
Estamos na parte mais remota e menos habitada da Rússia.
Ele me informa que entre Chita e Khabarovsk há um trecho de 960 km sem nenhuma possibilidade de hospedagem.
É preciso percorrê - lo em um dia. O jeito é sair cedo. Madrugada e confusão.
Sem cerimônia, vai no meu navegador e coloca as coordenadas do hotel em questão e também as coordenadas do Moto Club de Vladivostok onde, segundo ele, posso hospedar-me gratuitamente quando ali chegar.
Também me passa informações relevantes sobre o seguro no Japão e propõe que eu coloque seu endereço pois a seguradora pedirá um endereço no país.
Convida - me à vir visitá -lo em Kyoto, onde vive, ao mesmo tempo que pede desculpas por não poder hospedar-me pois mora em um lugar pequeno.
Oferece - me uma balinha de menta, nos despedimos e seguimos viagem.
Assim funciona, com toda simplicidade, o motociclismo de viagem.
Qualquer contato é valioso, qualquer pessoa nova pode se tornar um amigo.
Ser útil e solidário entre nós, é mais do que uma obrigação. É uma necessidade.
E não deve ser assim, na vida?

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