Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

26/08/2015 - Moto com side-car em estrada Russa

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Acompanhar na estrada, sobretudo em estrada russa, uma moto com side-car, muda completamente a forma de viajar.
Manobras correntes e banais para uma moto como, passar entre veículos, ultrapassar aproveitando o pequeno espaço entre o automóvel e a linha central da pista, parar na frente do tráfego nos semáforos, etc., são virtualmente impossíveis para um Side-car.
De mesmo modo, a forma de conduzir e o comportamento de um Side-car não tem nada a ver com a motocicleta de configuração simples.
O Side-car não pode aproveitar a curva com tangência e, portanto, tem que obrigatoriamente entrar com menos velocidade.
Em resumo, logo percebi que os 1000 km que teremos diante de nós, terão que ser percorridos em um pouco mais de tempo.
Mesmo assim, o prazer de poder ter companhia e poder compartir uma parte da jornada com um novo amigo, motociclista e pessoa de grande experiência de viagem, cultura e inteligência, vale largamente o par de horas adicionais no percurso.
Como sempre costumo dizer, em moto não se trata de chegar, o que vale realmente é percorrer.
Combinamos de nos encontrar a uns 30 km de Krasnoyarsk, já na estrada que conduz a Irkutsk.
Todo o pessoal com quem tivemos contato nos últimos dias, nos preveniu das dificuldades dessa estrada.
Para evitar problemas, reservamos um hotel em Taychet, a 400 km de Krasnoyarsk, para fazer a etapa inicial.
Rodar a dois tem sempre um charme especial pois você aproveita as pausas de descanso para longas conversas e sobretudo, para troca de experiências.
Damien, un francês radicado em Montreal há mais de 17 anos, aos 45 decidiu largar tudo e partir para uma viagem em torno do mundo por dois anos.
Esteve pelas Américas, na África, na Europa e agora, recentemente, na Turquia e Ásia Central.
Há um ano decidiu instalar um Side-car em sua GS Adventure.
Disse que se sente mais seguro para poder ir à lugares onde as pistas são muito duras para duas rodas.
Chegamos a Taychet, uma das cidades por onde passa o famoso trem Transsiberiano.
A cidade não convida a visitar. Feia e delabrada, é daquele tipo de vilarejo onde voce curte uma cerveja e um jantar no hotel mesmo.
Descarregamos a bagagem e quando descemos para levar as motos a um estacionamento próximo, encontramos três moleques de 10 a 12 anos sentados comodamente e com toda a confiança, nas motos.
Não creiam que eles se surpreenderam com nossa chegada.
O que parecia ser o líder, com um olhar questionador, seguro e determinado, simplesmente fez um meio sorriso e algum comentário em russo e continuou fuçando nos botões do guidon da moto de Damien.
Dissemos a eles gentilmente que descessem e eles obedeceram, pedindo para que os levássemos na garupa os 100 metros que nos separavam do estacionamento público.
Damien colocou o "chefe" na garupa, eu convidei o segundo, que saltou rapidamente na minha moto, deixando o terceiro, e o menor, com aquele olhar de cãozinho abandonado.
Fiz sinal a ele, e o coloquei na minha frente.
Ficou radiante.
Assim, levamos os três "figurinhas" pelos seus 100 metros mais felizes deste verão.
Conseguimos três assistentes que nos ajudaram a encontrar lugar para estacionar as motos, e também verificaram se as maletas estavam bem fechadas e se não havia nada que pudesse ser roubado na moto.
Foram embora com acenos e com a palavra "espassiba" nos lábios.
Na manhã seguinte decolamos para 680 km até Irkutsk, a principal cidade da região oriental da Sibéria, distante de apenas 70 km do grandioso e espetacular lago Baikal.
Abastecemos, e eu percebo que minha moto não responde bem,
Falta-lhe potência. Já tinha notado algo diferente no dia anterior. Quando acelero, ela parece não tomar ar suficiente e, portanto, não acompanha a aceleração.
Alguns kms após o abastecimento, a moto começa a falhar.
Fazemos uma parada e eu ligo para o concessionário BMW em Krasnoyarsk.
O serviço técnico me explica que muito provavelmente coloquei gasolina de má qualidade.
Na Rússia, há três tipos de gasolina: 92, 95 e 98 octanas.
Acho que todas as três podem ser de má qualidade dependendo do distribuidor e talvez do dono da estação de serviço.
Além do mais, há outros fatores que podem contribuir para uma gasolina de baixa qualidade, tais como, a umidade do reservatório no posto e eventuais micro impurezas no combustível.
Bem, o fato é que minha moto não estava bem.
Aqui, impõe - se um momento de decisão: retorno à Krasnoyarsk e faço verificar a moto (que acaba de sair da revisão) ou, continuo, acreditando que se trata de combustível que a moto tem dificuldades em queimar, e sigo em frente.
Baseado na probabilidade que me foi dada pelo técnico da BMW, decido seguir viagem e fico atento à primeira oportunidade para completar o tanque com gasolina de melhor qualidade, em um posto seguramente mais apresentável.
No próximo abastecimento a moto deixa de falhar mas continuo sentindo que houve uma perda sensível de potência, algo como 20%.
Eventualmente, na atualização feita na concessionária, o ajuste de potência não foi feito como estava na minha moto e sim, na determinação da lei francesa de limitar todas as motos a 100 hp máximos.
Minha moto estava liberada para 124 hp. Acho que voltei a ter somente 100 hp a partir de Krasnoyarsk.
Vou ter que conviver com isso até poder visitar outro concessionário BMW no Japão, ou na Coréia.
Se for realmente esse o problema, não deverá me trazer nenhum inconveniente. Se não for...
Irkutsk é uma bela cidade com ares czarinos, com belos edifícios do século XIX.
Confluência lógica de duas vias férreas importantes na região, a Transsiberiana e a Trans Mongólia, é ponto de chegada e partida de muitos turistas percorrendo de trem estas paragens.
Chegamos ao hotel reservado após 10 horas em uma estrada correta, porém movimentada.
Verifico que no telefone russo adquirido para a viagem, há várias mensagens em um inglês truncado.
Uma delas, bastante enigmática,
Diz o seguinte :
"Meu nome é Sergey.
(Sempre morro de rir com esse nome. Deve ser complicado: Sergey....).
Continuando a mensagem:
"Fui instruído por amigos em Krasnoyarsk a vir a seu encontro. Não saia do hotel antes que eu venha".
No mínimo esquisito, né?
Confirmei na resposta que já tinha chegado e, em 30 minutos tinha diante de mim um motociclista que parecia ter saído de um dos episódios da série americana, "Sons of Anarchy", jeans rasgado, molleton com capuz, colete de couro e capacete aberto, do tipo sumário.
Era Sergey, que recebera instruções do clube de moto que conheci em Krasnoyarsk , para tomar conta de mim em minha estada em Irkutsk.
Os russos tem um sentido muito particular de hospitalidade.
Quando devem receber alguém recomendado por um amigo, o fazem com um rigoroso senso de responsabilidade e dever.
Assim, Sergey perguntou, através do Tradutor de Google, o que eu queria visitar e ele me acompanharia.
E arrematou perguntando a que hora eu queria sair para jantar.
Agradeci o jantar pois não queria ser rude, mas estava cansado.
Ficamos de sair na manhã seguinte para o Lago Baikal no que se revelou um excelente passeio, apesar da velocidade e estilo de pilotar de meu novo amigo, Sergey.
À estrada, tremendamente divertida para a moto, conduz por um terreno ondulado, até o majestoso Baikal, o maior e mais profundo lago de água doce do mundo.
Responsável por 80% das reservas da Rússia, suas águas limpas e cristalinas abrigam uma grande variedade de animais, incluindo uma espécie de focas, que é endêmica ao Lago.
Ter chegado ao Baikal, um lugar que ouvi falar por tantos anos, por meus próprios meios, determina forçosamente um momento de emoção e, sem dúvida, de reflexão.
É um privilégio poder estar aqui com minha moto.
À noite Sergey veio buscar-me para jantar e para encontrar outros membros do "Black Bears" MC, uma lenda na Rússia.
Presentearam-me com uma camiseta e alguns adesivos do clube e disseram que eu teria à minha disposição apoio ao longo do resto de minha viagem pela Rússia.
O que parecia muito estranho, acabou por terminar de forma muito agradável com gente que apesar de insistir em ter uma imagem um pouco marginal, se mostra generosa, hospitaleira e super amigável.
Mais uma vez as pessoas te surpreendem.
Deixe sempre lugar e e espaço para uma segunda impressão.
Ontem li uma frase belíssima:
"Há pessoas que se suicidam cortando seus IMPULSOS".
Na manhã seguinte, meu franco-canadense amigo, Damien, parte em direção à Mongólia.
Eu, ficarei mais um dia em Irkutsk para esperar por dois outros amigos, Gérard Moss, e Dietrich Baptista.
O primeiro, grande viajante brasileiro que já percorreu o mundo em um pequeno monomotor durante dois anos, deu a volta ao mundo em um Moto-Planador e em um Range Rover, com vários livros publicados sobre suas viagens.
Desta vez, saiu de Londres em uma velha Citroën GSA, de mais de 40 anos e participou em um rallie muito doido que se chama Mongol Raid e que teve sua linha de chegada em Ulam Batoor.
Gérard Moss, e sua esposa Margi Moss, são uma referência para mim em termos de viajantes, aventureiros, escritores de relatos de viagem e, sem sombra de dúvida, como seres humanos é uma honra e um privilégio ser um de seus tantos amigos..
Encontrar com Gérard e com nosso amigo comum, Dietrich, um de seus parceiros nesse raid, nos confins da Sibéria, será um imenso prazer e um detalhe a acrescentar nesta minha bela e colorida viagem.

Ricardo Lugris
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