Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

19/08/2015 - Entrando com minha moto em Astana pela primeira vez

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Viajar representa ir de encontro a pessoas, de intercâmbio com gente. É contato humano. E a moto provoca isso.
Quantas vezes lembramos de lugares com mais do que uma ponta de saudades porque encontramos ali gente agradável, hospitaleira, gentil e que muitas vezes se tornam novas amizades?
Dentre meus melhores amigos, há vários que conheci em viagens de moto, ou em missões profissionais.
Estes amigos, graças a uma eventual viagem e à maravilhosa coincidência (ou não ) de que eles estivessem ali, ao mesmo tempo que eu, se tornaram peças fundamentais em minha vida, fazendo hoje, cada um deles, parte de minha identidade.
Quantas vezes nos encontramos totalmente sós em um belo lugar e guardamos lembranças não tão agradáveis?
Lembro de que quando comecei minha vida profissional, por ser o mais jovem na Divisão Comercial da empresa , fui mandado fazer a África.
A cada vez que eu viajava para Lagos, na Nigéria, considerado um dos piores lugares no mundo, os colegas ficavam com pena de mim.
E eu, na Nigéria com um grande amigo como embaixador do Brasil que me hospedava sua residência e me fazia conhecer pessoas e belos lugares em torno da caótica metrópole nigeriana.
Ter amigos, fazia toda a diferença.
Até hoje guardo grandes lembranças de Lagos pela qualidade da gente que conheci ali.
Com estas divagações em mente, vou entrando com minha moto em Astana pela primeira vez.
A parte mais antiga da cidade, com seus prédios de herança soviética não me impressionam muito.
O GPS vai levando-me naturalmente para o centro da cidade.
Consigo um restaurante, almoço e aproveito para reservar por Booking um pequeno hotel.
Meu GPS russo não reconhece bem o hotel, nem a rua.
Pergunto a uma pessoa na calçada e esta pára outra, e pergunta. Sucessivamente as pessoas na minha frente vão se aglutinando em torno desse problema a resolver.
Já havia 5 pessoas reunidas, incluindo um gari, quando uma jovem, com seu indefectível IPhone, consegue localizar o hotel em uma pequena rua desconhecida de todos.
Peço a um motorista de táxi que me guie até lá, após efusivamente agradecer ao recentemente formado "Comitê de Localização Hoteleira para o Motociclista".
O motorista roda por uns 20 minutos. Chegamos a um restaurante, ele pede um tempinho e vai se informar.
Volta contrariado, pedindo desculpas, pois tinha se equivocado de endereço.
Não digo nada e rodamos por mais 10 minutos até que chegamos ao famoso hotel desconhecido.
Desço da moto com um bilhete na mão para pagar seus serviços. Ele recusa.
Por quê? Pergunto eu.
Ele indicou que estava envergonhado por não ter achado o hotel e ter se enganado. Não queria pagamento. Mesmo insistindo, ele não aceitou.
Astana, escolhida para ser a capital da República do Cazaquistão, se beneficia do vertiginoso crescimento econômico desse país, graças à produção de petróleo, e o governo decidiu fazer da cidade um exemplo de arquitetura aos moldes de jovens capitais pelo mundo, como New Dehli, Brasília, Abuja, e outras.
A diferença, entre Brasília e Astana, por exemplo, está no orçamento disponível e no fato de que Brasília foi projetada por um só arquiteto e um só urbanista.
Astana, parece uma exposição universal de arquitetura onde se podem ver belos prédios fazendo referência a Frank Gehry e ao Guggenheim de Bilbao, ou espécimes kitsch, como o Teatro Nacional em estilo grego clássico imitando a Acrópole.
Vamos encontrar um lago em forma de pássaro (Brasília, como referência?) atrás do palácio presidencial que lembra o Capitólio. Encontra-se um arco do triunfo, uma pirâmide, edifícios em estilo chinês, árabe, rococó, etc.
Enfim, uma "salada de fruta " arquitetônica.
Alguns bem sucedidos. Outros, nem tanto.
O mais chocante de tudo, não é o aspecto estético. O que bate duro é o contraste gritante com a pobreza e falta de urbanização existente nos vilarejos espalhados pelas estepes que venho de percorrer no resto do país. Lembra algo?
Ruas sem calçamento e sem saneamento básico.
Em regiões onde, no inverno, as temperaturas chegam a 30 abaixo de zero, o sistema de calefação ainda é da época comunista.
Astana é, portanto, um delírio de grandeza de seus dirigentes.
Voltando ao tema das relações humanas, outros dois episódios mostram a generosidade e amabilidade dos kazaks.
Eu procurava uma loja e perguntei a um jovem que acabava de sair de seu carro para admirar a moto.
Ele disse: venha comigo.
E levou-me à pé, por mais de 5 quarteirões.
A cada loja que poderia ter o produto que eu precisava, ele corria diante de mim como se tentasse comprá-lo para mim.
Não encontrei o que procurava e retornamos juntos até a moto onde ele fazia questão de tirar fotos minhas com monumentos de fundo, para que eu tivesse uma recordação da cidade.
Finalmente, na estrada, depois de deixar a capital do Kazakistão, vejo que um carro vindo atrás de mim, faz insistentes sinais de farol.
Achei que poderia estar perdendo algo e parei no acostamento.
Era um casal e mais a cunhada, retornando à sua cidade depois de um casamento em Astana e queriam simplesmente convidar-me para almoçar com eles um pique-nique sobre o capô de seu carro.
Levei no bolso duas tangerinas que me foram oferecidas após eu ter contribuído ao simpático almoço com duas latas de "paté de campagne".
Assim, o que ficará em minhas lembranças de Astana serão os sorrisos, a amabilidade e generosidade espontânea de seu povo e não a grandeza, luxo e imponência de seus edifícios.


Ricardo Lugris
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Comentários (1)

24/9/2015 12:53:08
GORETIBAGERS
alfonsito, lendo teu texto lembrei qdo te esperamos no portico de entrada de bage e falaste que so a moto proporciona aquela recepçao.grande abraço.em tempo:tenho agora uma transalp e participo do clube transalp brasil, tenho viajado bastante, acabei de chegar dum encontro em brotas-sp, fiz 4 mil km, viagem maravilhosa.
 

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