RELEMBRANDO GRÉCIA 2005 - PARTE I
Pela Grécia, berço da civilizaçãoChegando Lá
No Porto de Ancona, na costa leste da Itália, com um calor de 30 graus às 11hs da manhã, esperávamos pelo embarque no navio que nos levaria até Patras, na Grécia.
Em torno de nós, carros e caminhões circulavam chegando e partindo da Itália para vários destinos nos Balcãs e para a Grécia, através do mar Adriático.
Pela primeira vez em vários anos de viagens em nossa fiel BMW, não tínhamos tido o tempo suficiente para preparar a viagem como gostaríamos. Pretendíamos percorrer a península do Peloponeso em todo seu contorno de costa. As estradas, já sabíamos, seriam estreitas e montanhosas. A velocidade seria reduzida.
A temperatura, alta.
Deixamos nossa casa no dia cinco de Setembro. Pretendíamos viajar inicialmente em Julho, mas compromissos de trabalho nos impediram de partir nessa época.
Considerando as temperaturas da Grécia em Julho, o adiamento acabou por ser uma excelente idéia.
O contrato que eu tinha pendente da finalização de negociações foi assinado no dia dois de Setembro, uma sexta-feira. No sábado, levei a moto à concessionária para a revisão. No domingo, preparamos nosso material e fizemos as bagagens.
Na segunda, trabalhei por algumas horas para encaminhar meus assuntos mais urgentes e passamos no nosso Banco para pegar algo de dinheiro.
Deixamos a moto na Gare de Bercy.
Nossa intenção era de transportar a moto por trem até Genebra, a 700 km de Paris e tomarmos o TGV que nos levaria até lá em apenas 3.5 horas.
Nossa moto chegaria na manhã seguinte e iniciaríamos a viagem tranqüilos e descansados a partir dos Alpes SuíçosDesembarcamos em Genebra com nossos capacetes e uma bolsa de mão com o estritamente necessário para passar a noite. Chovia muito. Conseguimos um hotel a uns 300 metros da estação ferroviária de Genebra já que teríamos que retirar nossa moto na manhã seguinte.
Em função das altas temperaturas que encontraríamos na Grécia, decidimos levar um conjunto de roupas “air flow”, especiais para o calor, mas sem nenhuma proteção contra a chuva.
Amanheceu cinza e carregado. Fomos a pé até a estação para receber nossa moto. O trem de carga procedente de Paris não tinha ainda chegado. Tivemos que esperar por duas horas para poder por a mão em nossa moto e começar a viagem.
Saímos de Genebra pelo lado sul do lago de Evian, em alguns km, Genebra dá lugar à fronteira francesa e seguimos contornando o belo lago. Nossa intenção era de passar os Alpes pelo Simprom Pass, chegar ao lago Maggiore pelo norte e pernoitar em Lovere, junto ao lago Iseo na região de Bergamo onde vivem nossos bons amigos Tiziano e Daniela, companheiros de algumas outras viagens.
O tempo, cinza e frio, não nos dava muito conforto com nossas roupas leves e ventiladasPara esta viagem, instalei um sistema que nos permite a comunicação piloto-passageiro. O sistema funciona maravilhosamente. Saímos de Genebra escutando boa música e, pela primeira vez, podemos conversar normalmente. Um grande progresso em relação à nossa habitual língua de gestos e expressões curtas, sempre aproveitando a redução de velocidade ou em um semáforo vermelho.
Pela primeira vez podemos comentar e discutir sobre belas paisagens, dificuldades momentâneas da estrada, pessoas e lugares. Podemos conversar sobre assuntos de nossa vida familiar sem ter que nos preocupar com o tempo ou a privacidade.
Sentimo-nos livres, independentes e quase que isolados do mundo nessas conversas intermináveis sobre nossa GS.
O som tem um sistema que diminui o volume da música quando estamos conversando. Boa idéia, o papo é prioridade.
Nossa perspectiva deixando Genebra era de fazer uma bela viagem.
Eu ainda mantinha uma certa apreensão sobre como iria reagir a coluna vertebral da Graça às muitas horas que passaremos sobre a moto.
Em nossa última viagem juntos, a volta ao Mar Báltico, onde visitamos, entre outros lugares São Petersburgo, abusamos um pouco na quilometragem média diária e minha esposa teve uma crise na cervical após nosso retorno a Chantilly.
Chegamos a pensar que não mais poderíamos viajar juntos de moto.
Felizmente, como iremos a constatar durante nossa viagem, com um pouco de cuidado e sem exagerar nas horas passadas na estrada, tudo correu perfeitamente para a Graça e suas costas.
Subimos pelo Passo do Simprom a quase 2700 m de altitude. O tempo continuava frio e nublado. Na montanha encontramos muita neblina.
Apertamos o passo, dentro dos limites de velocidade sem esquecer que estávamos na Suíça, um dos países de maior controle e policiamento em todo o mundo. Queríamos passar logo pelas montanhas e descer para o lado Italiano com a esperança que fizesse menos frio do outro lado dos Alpes.
Detivemo-nos para almoçar ainda em território suíço. Um Mac Donald’s foi o suficiente.
Em Domossola, do lado italiano, a temperatura começou a subir e acabamos por encontrar um certo conforto. O céu continuava cinzento e chegamos finalmente à conclusão que não seria hoje que pegaríamos chuva.
De Varese, no norte da Italia, tentei encurtar caminho e escolhi passar por pequenas estradas até Bergamo, a 60 km de nosso destino naquele dia.
Péssima idéia. Apanhamos a hora do “rush” e ficamos em engarrafamentos monumentais em pequenos vilarejos onde a largura da estrada ou da rua não permitia a passagem de nossa moto com suas grandes valises laterais entre os carros imobilizados.
Levamos muito mais tempo do que pensávamos e não encurtamos muito a distância prevista até Lovere.
Chegamos ao nosso destino perto das 21 h. Tiziano nos esperava na entrada da cidade com seu filho que queria nos conhecer antes de voltar a Bergamo onde estuda.
Um apaixonado da motocicleta, Tiziano tem em sua coleção 13 belos exemplares de BMW, nove delas, antigas.
Fizemos algumas viagens juntos e temos uma grande simpatia entre nós.
Infelizmente, Tiziano só pode tomar férias no mês de agosto o que lhe impossibilita de nos acompanhar neste giro pela Grécia.
Como de hábito, Tiziano nos esperava com a reserva feita em um pequeno, porém simpático hotel em Lovere, às margens do belo lado de Iseo.
Rodeado de montanhas, este lago tem as paisagens mais lindas do norte da Itália, independentemente da estação do ano.
Recomendo a meus amigos um passeio por essa regiãoDescemos o mais rápido que pudemos para jantar com nossos amigos.
Entre boas garrafas de vinho e aquela pasta ao “funghi porcini” nosso jantar foi até a uma da manhã.
Sabendo que tínhamos 550 km para fazer no dia seguinte e que deveríamos estar no Porto de Ancona até as 11:30 da manhã, abreviamos nossa adorável conversa para poder recuperar umas horas de sono em uma noite bem curta.
Saímos do hotel as 5:10h, escuro e frio.
Aproveitando as excelentes condições das auto-estradas italianas, mantivemos uma boa média horária e chegamos a Ancona na hora prevista, sem inconvenientes.
Retiramos nossos bilhetes para Patras e fomos até o cais esperar pelo embarque em nosso ferry.
As 11:30 o embarque se iniciou com as motos em prioridade.
Mais uma vantagem de viajar em duas rodas pensei eu.
Nossa moto foi acomodada no fundo do porão para veículos do grande navio e seguimos para a cabine que tínhamos reservada.
Ficava no 8º andar, confortável e limpa, com um banheirinho.
Deixamos nosso equipamento na cabine e fomos imediatamente para o deck superior assistir à saída do navio do porto.
Acho que não existe uma partida mais significativa que a partida de um navio.
Temos a sensação nítida de despedida. Impregnada talvez pelas dezenas de cenas que já assistimos em filmes onde as pessoas se acumulam no cais para dar adeus, muitas vezes definitivo, a quem parte em um grande navio.
A cidade de Ancona se recosta em várias colinas, como uma velha senhora em um divã. Sua vista desde o mar é esplêndida. Não poderíamos perdê-la.
Em seguida, hora de almoço.
O restaurante nos esperava com um bom buffet a preços razoáveis, o que normalmente não costuma ocorrer nesses navios.
Após o almoço chegamos à conclusão que teríamos 22 horas de tranqüilidade e todo o tempo do mundo para descansar dos últimos dois dias, bastante puxados em quilometragem e com poucas horas de sono.
Após um banho relaxante dormimos, sem culpa, durante toda a tarde, embalados pelo rumor e o leve balanço do navio.
Gosto muito de entremear trajetos de navio em minhas viagens de moto.
Além de ser uma completa quebra de ritmo e finalmente um descanso, acho que o navio permite deslocamentos com grandes economias de tempo.
Se tivéssemos que ir à Grécia rodando desde a França, sem utilizar o navio na Itália, teríamos que passar por Trieste, descer em seguida toda a costa da Croácia, passar por Montenegro, Bulgária e chegar finalmente ao norte da Grécia.
Uma viagem assim, desde Paris, tomaria, pelo menos, seis dias.
Contando os dois dias desde Paris a Ancona, o trajeto utilizando o navio nos coloca na Grécia, a 200 km de Atenas em apenas três dias. O tempo economizado pode ser muito melhor aproveitado passeando pelo país-alvo, neste caso, a Grécia, evidentemente.
Acordamos às 8hs da noite. Um pouco assustados com a hora. Foram mais de 5 horas de sono!
O jantar correto, foi seguido de café e cognac no bar do navio e alguns minutos em tentativas vãs na Roleta do Cassino. Perdi 20 euros em 15 minutos. Desisti.
Voltamos à nossa cabine depois de um longo e delicioso passeio pelo navio. De proa a popa. Momentos tranqüilos de um casal que curte estar junto.
Passamos uma boa noite com o mar calmo. Acordamos por gravidade e após nosso café da manhã sentamo-nos na proa do navio para esperar a aproximação do porto de Patras.
Enquanto Graça bordava, eu lia um bom livro, hábito de todas as viagens.
Desembarcamos em Patras e tentamos contato com Charlie, um amigo e colega americano que alugara uma BMW 1200 RT para fazer uma parte da viagem conosco.
Ele chegaria em um ferry 3 horas após o nosso. Para esperá-lo, decidimos fazer um passeio pela região e almoçar em algum lugar que encontrássemos simpático.
Em nossa primeira experiência com a moto no trânsito grego, saímos do porto cuidadosamente para, pouco a pouco, sentir o nível de risco que ofereciam os motoristas.
Tomamos a estrada em direção a Atenas e decidimos cruzar a bela e moderna ponte sobre o Golfo de Corinto e seguir costeando o mesmo até encontrar algum vilarejo e almoçar junto ao mar.
A temperatura, de perto de 30 graus justificava nossa decisão de utilizar os conjuntos de verão da BMW.
Em poucos quilômetros chegamos a Nafpaktos. Nossa primeira impressão de uma cidadezinha grega não nos decepcionava. A praça, arborizada por velhos e respeitáveis carvalhos, estava repleta de mesinhas dos vários cafés em torno dela. A vista, sublime para um pequeno e antiqüíssimo porto onde se revezavam veleiros de passeio.
Pedimos um café gelado, bebida nacional da Grécia. Eles fazem uma espécie de frappé com nescafé, gelo e açúcar que acaba sendo extremamente refrescante e quebra completamente o paradigma do velho e bom café quentinho.
Graça não gostou muito do café gelado, devo dizer. Eu, mais habituado, pois vou muito à Grécia por razões profissionais e confesso que gosto do café desta maneira.
Passamos alguns minutos deliciosos nos divertindo com as manobras desastradas dos tripulantes de veleiros de fim de semana, tentando amarrar em um pequeno porto.
O protesto dos outros proprietários de barcos quando a manobra se aproximava demasiadamente do barco já atracado era inevitável.
Decidimos andar um pouco mais e tentar encontrar um pequeno restaurante para matar o tempo até a chegada de Charlie em umas duas horas.
Almoçamos salada com uma grande e espessa fatia de “feta”, o queijo nacional grego. A feta e o orégano iriam nos perseguir durante os 12 dias que permanecemos nesse país.
Em tudo eles colocam orégano: salada, carnes grelhadas, azeitonas, peixes, arrozes, etc.
Não que eu não goste, mas... Após alguns dias, tudo tinha o gosto de orégano.
Votamos ao porto de Patras a fim de esperar por nosso parceiro. Charlie, que é meu colega na filial norte-americana da empresa em que trabalho, nunca tinha rodado de moto na Europa.
Proprietário de uma Honda 1300 conseguiu alugar uma BMW 1200 RT em Genebra, fez um passeio introdutório pela Itália e Suíça e estaria se juntando a nós por uns 4 ou 5 dias.
Por celular, pudemos nos comunicar e ele nos descreveu seu navio. Esperamos pacientemente junto ao cais.
Uma das grandes vantagens de se viajar pela Europa é a facilidade do Acordo Schengen, que libera de trâmites burocráticos as passagens de fronteiras de 12 países da UE.
No caso da Grecia, para quem vem da Itália, é só desembarcar e pegar diretamente a estrada. No stop.
Charlie chegou. Feliz em estar ali, tremendamente ansioso para iniciar sua viagem conosco.
Pegamos a proa de Atenas onde ficaríamos os dois primeiros dias de Grécia.
A auto-estrada de Patras a Atenas nos deu uma pequena mostra do que seria o trânsito nesse belo e velho país mediterrâneo. Um sufoco!
Iniciamos nossa viagem, como de hábito, respeitando os limites de velocidade estipulados. Tenho perdido muito dinheiro pagando multas pelo mundo afora. Não quero mais.
O problema é que nós éramos os únicos a rodar em torno dos 100 km/h.
Apertamos um pouco a velocidade, subindo para 120 km/h. Não adiantou.
O pior de tudo é que os gregos ultrapassam por qualquer lado, ou seja, por onde houver mais espaço para passar, eles enfiam o carro.
Nada mais assustador do que um Toyota Land-Cruiser passando a 150km/h pela sua direita...
Decidimos rodar literalmente sobre a linha branca que separa a pista da direita do acostamento. Quando víamos algum carro se aproximando, passávamos para o acostamento, dando ao apressadinho toda a pista para seu uso.
A chegada a Atenas foi um tanto quanto complicadaAtravés de amigos gregos que vivem em Atenas, conseguimos reservar o Hotel Plaza Athens, um cinco estrelas, junto ao palácio governamental na praça principal da capital, por 50% do seu valor habitual.
Apesar de ainda ter ficado caro, achamos que seria simpático iniciar nossa viagem com grande estilo e conforto.
... Continua