MARROCOS, UMA PEQUENA GRANDE AVENTURA
Recebi, num mês de Outubro de 2007, em um dia chuvoso e frio, como costuma ser nessa época aqui na França, um inesperado telefonema de um amigo motociclista italiano, Cláudio, convidando-me para uma viagem ao Marrocos com saída em 10 dias.
Sol! Pensei.
Apesar do curto tempo para me preparar, o Marrocos fazia parte de minha (extensa) lista de países que eu tinha muita vontade de percorrer com minha GSA.
Já havia estado várias vezes, por razões profissionais e também a turismo naquele país, tão próximo fisicamente da Europa e, ao mesmo tempo, culturalmente tão distante.
Apesar de minha escassa experiência em viagens em grupo, pois normalmente gosto de viajar com minha mulher, assim preservando minha liberdade de horários e movimentos, decidi aceitar o convite e incorporar esta experiência ao meu histórico. Seriam 14 dias a partir de Málaga, onde seria o ponto de encontro com o grupo de italianos.
Da minha casa até Málaga são 2000 km que eu teria a intenção de percorrer em dois dias. Dali, descendo a costa espanhola até Algeciras, tomaríamos um ferry para Ceuta, o enclave espanhol no Marrocos.
Encontrei o grupo, como previsto em um pequeno hotel de Málaga. Um grupo heterogêneo, que faz parte do BMW Clube de Alba, no norte da Itália.
Tinha de tudo. Motociclistas experientes em viagens de longo curso, novatos, veteranos motociclistas, etc.
Também se reuniu ao grupo, um francês, residente em Madrid. Bruno, que mais tarde se tornaria um de meus melhores parceiros para as viagens mais longas que fizemos.
Um sujeito daqueles que você acha importante ter por perto: equilibrado, seguro e, sobretudo, extremamente habilidoso em mecânica e eletrônica, nestas últimas, lamento dizer, sou zero.
Meu primeiro contato com todos foi bastante discreto, apesar de falar bem o italiano, preferi observar as conversas para poder aprender um pouco mais sobre cada uma das várias personalidades presentes ali e com quem eu iria conviver nas próximas duas semanas.
A convivência com italianos é fácil, amistosa e muito agradável. São um povo que dá um grande valor à amizade e ao companheirismo. São como garotos crescidos e a excitação dessa viagem que se iniciaria realmente na manhã seguinte estava no ar.
Bebemos um bom vinho espanhol e eu, filho de imigrantes deste país, pude mostrar aos meus novos amigos um pouco da cultura culinária espanhola, o que foi bastante apreciado.
Digamos, fiz assim, minha discreta entrada no grupo.
Cláudio, um amigo que encontrei dois anos antes em uma viagem pela Bósnia e Croácia, foi quem me apresentou individualmente aos 12 motociclistas presentes e às várias esposas que os acompanhavam.
Minha resistência à viagem em grupo tem a ver com a liberdade de sair no horário em que nós mesmos determinamos quando estamos em solo e a dificuldade em sair no horário quando estamos em um grande grupo.
Naquela noite pensei com meus botões: Vai ser duro manter uma disciplina com esta turma.... São italianos....
Para minha surpresa, o horário de partida estipulado de 8 hs da manhã foi respeitado por todos os participantes da viagem e, para minha surpresa, todos tinham abastecido as motos na noite anterior e estavam prontos para decolar, com exceção de...... mim!
Eu não tinha abastecido minha moto na ansiedade de chegar ao hotel na tarde anterior e conhecer meus companheiros de viagem! Bem, perdi um pequeno ponto já no começo da viagem...
Percebi então que a questão de disciplina de grupo é muito importante para esses companheiros, o que um ano mais tarde fez com que chegássemos juntos ao Uzbequistão em uma viagem através da Turquia, do Irã e do Turcomenistão sem perder ninguém e sem grandes problemas.
Viajar em grupo tem uma dinâmica totalmente diferente. A disciplina individual leva à disciplina do grupo. Se não houver um cuidado rigoroso no cumprimento de horários e pausas, os atrasos vão se acumulando e as jornadas passam a ser absolutamente longas, quase insuportáveis.
Uma vez cruzado o estreito de Gibraltar, entramos em Ceuta, belíssimo enclave mantido pela Espanha há 200 anos, apesar dos protestos do Reino do Marrocos.
De Ceuta, que é absolutamente cercado para evitar a entrada de emigrantes ilegais vindos dos quatro cantos da África, passamos para o Marrocos propriamente dito, e tomamos a estrada da costa para Tanger, a cidade branca.
A estradinha de costa é absolutamente linda, faz um sol de 22 graus e, aproveitando para conduzir minha moto no final do grupo, tenho o prazer de ver 12 BM’s serpenteando entre curvas em desníveis como se fosse uma charmosa parada de dragões chineses.
Aproveitamos para almoçar em Tanger após termos nos regalado com as paisagens sobre o estreito de Gibraltar, porta do mediterrâneo, vistas do lado do continente africano para muitos de nós, pela primeira vez.
Estamos em terras exóticas, a vestimenta, os cheiros, as cores e o brilho das casas brancas sob o sol a pino nos dão um calor no coração pela alegria de ter o privilégio de poder visitar este lugar e a oportunidade de fazer novos amigos.
Afinidades vão se formando, todos os italianos são amigáveis e abertos ao novo companheiro vindo do Brasil.
Almoçamos junto a um farol que sinaliza a entrada do Mediterrâneo aos navios que cruzaram o oceano Atlântico, a vista é monumental, estamos no alto de uma colina e dali vemos a costa da Espanha do outro lado a uma distância de poucos kms mas que tem uma distância política e cultural de muitos séculos.
Nosso caminho começa a nos levar rumo sul, alongando a costa atlântica do Marrocos, as estradas são surpreendentemente boas. Excessivamente boas, eu diria, quase entediantes. Os marroquinos conduzem com uma certa lentidão e, como era de se esperar, não olham muito pelo espelho retrovisor.
Em duas horas chegamos a Rabat, capital do Reino do Marrocos,, sede do governo e cidade que representa a identidade marroquina por excelência.
Estamos apenas de passagem, vamos visitar o túmulo de Mohammed V e as ruínas do velho palácio medieval onde se encontra o mausoléu. À porta, dois soldados montam guarda a cavalo. Interessante ver como os cavalos se mantém imóveis por duas ou três horas em que dura a guarda. Os soldados são amáveis e permitem ser fotografados por um bando de motociclistas entusiasmados em seu primeiro dia de África.
Pernoitamos em um pequeno hotel em Rabat, com direito a jantar já programado no mesmo restaurante do hotel.
O momento é de trocar experiências e impressões. Eu me sinto cada vez mais acolhido pelo grupo. Cláudio, meu único amigo de mais tempo, faz um grande esforço para me incluir em todas as conversas apresentando-me como alguém que já viajou muito de moto e que tem muito para contar.
Procuro entreter meus amigos durante o jantar contando algumas histórias engraçadas sobre andanças em outras terras com a minha BM.
Parimos cedo, em direção à mítica cidade de Marrakech. Programamos uma passada por Casablanca, o centro econômico do país e sede de uma grandiosa Mesquita em homenagem ao pai do rei atual que foi financiada pela Arábia Saudita.
A mesquita é extraordinária, imensa. Casablanca, não impressiona, suja e com um trânsito caótico, deixou apenas recordações das esquivadas que tivemos que fazer para desviar de motoristas mais afoitos para ver as 12 motos em movimento.
De Casablanca, tomamos a auto-estrada para Marrakech, são 150 km sob um sol sahariano sem muito mais a fazer do que brincar com a moto e escutar minhas músicas no meu Ipod.
Da mesma forma que os meus novos amigos italianos se mostraram disciplinados nos horários, mostram-se displicentes na estrada.
Eu me acostumei, quando fiz alguns passeios com motociclistas franceses, a pilotar em grupo mantendo a ordem de saída até a chegada ao destino.
Se você lidera, vai liderar durante todo o trajeto e, se você saiu em 4ª. Posição, vai manter essa posição pela duração da perna a percorrer.
A decalagem entre uma moto e outra é algo também sagrado para os franceses para evitar possíveis freadas e acidentes.
No caso dos italianos, a coisa é muito mais relaxada e você precisa ficar muito mais atento.
Algumas brincadeiras aparecem para quebrar o tédio da estrada. Mauro, um divertido turinês passa por todos com a bunda de fora em pé na moto.
O Maurizio, um excelente motociclista de “fora-de-estrada” fixa o acelerador no cruiser, senta na sela traseira (a do passageiro), solta o guidon e vai sentado a 120 km/h como se a moto não tivesse piloto.... Temerário! Mas, vocês precisavam ver a cara dos marroquinos...
Neste momento, a paisagem começa a mudar. Do verde mediterrâneo do norte do Marrocos, passamos aos tons pastéis do deserto que ocupam o resto do país. Marrakech, uma das cidades mais bonitas de todo o mundo árabe, foi construída em um oásis. (É.... oásis existe.... a gente pensa sempre que isso é coisa de filme de explorador americano, né?)
Chegamos a Marrakech no final da tarde e, após acomodar as motos diante do hotel, nos preparamos para uma grande noitada.
Estávamos convidados para uma festa no Riad (hotel em um palácio) que pertence ao Bruno e a um amigo Italiano, Albano, que viajavam conosco.
Fomos todos jantar as iguarias marroquinas, como Cuscuz e Tajine, beber do bom vinho das montanhas Atlas e escutar a estridente e nem sempre agradável música berbér.
Foi uma grande noite, envoltos em um clima estranho e exótico, com bons amigos, foi realmente um grande momento que ficará em nossas memórias.
Fomos dormir bastante tarde e suficientemente carregados de alegria e vinho.
A paisagem mudaria no dia seguinte. Ao sul de Marrakech passa o massivo das Montanhas Atlas e iniciaríamos uma jornada das mais bonitas que eu jamais percorri em todos estes anos no guidão de uma motocicleta.
Iniciamos a subida das montanhas por uma estrada bastante bem mantida mas com pronunciadas curvas.
Em função do calor, o asfalto tinha muitas deformações. Fabrizio, um vetarano de 68 anos de idade, com o mau costume de andar demasiadamente rápido para sua idade, teve uma perda de aderência da roda dianteira e saiu pela tangente com a moto, batendo de frente em uma rocha ao lado da estrada.
Apesar da violência do choque e alguns danos na região do farol da moto, Fabrizio e sua esposa quase nada sofreram.
Remendamos a moto com tape e fizemos um curativo no supercílio do piloto que sangrava abundantemente e continuamos viagem.
Um pouco mais calmo, não percebemos entretanto que a pancada que ele sofrera na cabeça teria conseqüências posteriores.
As montanhas despidas de qualquer vegetação, como uma paisagem lunar, se sucediam a vales cultivados como se fosse uma brutal oposição do homem ao meio. Eles conseguem cultivar em áreas irrigadas, cobertas de palmeirais de tâmaras que lhes dão a subsistência básica em uma região extremamente agressiva ao homem.
Nas estradas, carroças e burricos. É impressionante a presença do burrico (jegues) no dia a dia desse povo. Pequeninos, são capazes de carregar muitas vezes o seu peso e volume em mercadorias do campo para os mercados.
Tentamos manter contato com o povo em cada uma de nossas paradas. As criança sobretudo, são amistosas e todas te pedem doces.
Para esse tipo de país, assim como na América Latina e na Ásia, costumo levar centenas de canetas Bic e lápis para distribuir às crianças.
São itens muito bem vindos e, ao contrário das balas e bombons, não estragam os dentes.
Nesse dia, na parte da tarde, fomos visitar um lugar extraordinário: A Garganta de Toudras.
Escavada durante milhares de anos, os rochedos do pequeno rio Toudras formam uma garganta com paredes verticais de mais de 200 metros. Entramos com as motos no fundo da garganta e apenas alcançávamos a ver uma pequena faixa de céu azul lá em cima.
Alguns de nós, os mais atrevidos, resolveram brincar de atravessar o rio com as motos. Eram uns 80 cm de água e muito cascalho no fundo, mas deu para relembrar aqueles momentos incríveis que só a moto pode proporcionar em um lugar assim.
Fizemos uma bela volta ao longo do rio e aproveitamos para nos deter em um comércio e comprar tapetes de confecção Berbér. Pura lã, com desenhos e cores vivas.
Nesse momento, deixamos um companheiro, Aldo, um principiante com sua GS na loja e empreendemos o caminho de volta. Uma meia hora depois, um dos comerciantes berberes que estavam no vilarejo em que esperávamos por Aldo nos avisou que ele tinha recebido um telefonema onde Aldo avisava que tinha esquecido os faróis da moto acesos durante sua visita ao vendedor de tapetes e que a moto estava sem bateria...
Tivemos que ir buscá-lo.
Este motociclista fez a mesma coisa umas outras 4 ou 5 vezes durante a viagem. Criou fama e reputação de desagradável e relapso.
Para vocês verem como o espírito de grupo funciona em duas vias: O grupo de apóia mas você deve também ter consideração e respeito pelo grupo.
Pouco a pouco, Aldo foi sendo excluído da convivência e, ao final da viagem, acabou retornando só para a Itália.
Chegamos ao final da tarde de um dia cheio à uma cidade totalmente rosada. Suas construções de barro, tinham um brilho especial com o sol do poente e tivemos a oportunidade de visitar um ............ enquanto as luzes horizontais davam sombras e cores extraordinárias ao deserto e às montanhas.
Ainda tínhamos 200 km para finalizar nosso dia em um hotel que nos esperava com um jantar quentinho e uma cama limpa para o merecido descanso.
Chegamos ao nosso destino às 22 hs. Fora um dia longo, estávamos todos muito cansados.
Fabrizio, nosso veterano que se acidentara, exausto e estressado, não viu que a moto diante dele se detinha em um semáforo vermelho a poucos metros do hotel e entrou sem frear na traseira de uma GS.
Desta vez, o radiador de sua 1200 RT entrou de cheio no estribo traseiro da GS da frente e a RT ficou totalmente fora de ação.
Foi um duro golpe para esse casal que tinha grandes expectativas para a viagem. Eles estavam arrasados.
No dia seguinte, providenciamos o transporte para a Espanha da moto de Fabrizio e conseguimos um 4x4 com motorista, solução encontrada para que o casal pudesse continuar a viagem com o grupo.
A moto foi levada para uma concessionária BMW na Espanha utilizando a cobertura de seguro de Europe Assistance que se responsabiliza, além de repatriar as motos, também dos gastos de hospitalização se for necessário ou mesmo o repatriamento via aérea de possíveis feridos.
Apesar dos pesares, a viagem continuou, nesse dia, estaríamos indo para um lugar mágico e muito divertido: As Dunas de Merzuga, já a algumas dezenas de kms depois do final da estrada asfaltada, dentro do Sahara, essas dunas são de uma cor vermelha e são apreciadas sobretudo no amanhecer e no anoitecer quando as cores, com o brilho do sol se acentuam.
Para chegar a Merzuga teríamos que fazer uns 60 km de deserto, sem estrada, com cada um de nós escolhendo seu melhor caminho.
Obviamente, evitando os poços de areia, superfície que as nossas GS Adventure, por seu peso e volume, além dessa roda dianteira de pequeno diâmetro, não gostam muito.
De qualquer forma, o jeito foi desligar os ABS e Antiskid, ficar em pé e abrir o gás.
Em pouco tempo estávamos nos divertindo novamente como moleques.
Meu amigo Cláudio e sua esposa, Carla, passam por mim os dois em pé sobre os estribos, em perfeita harmonia, pilotando juntos como uma fantástica equipe.
Chegamos ao acampamento berbér onde dormiríamos em tendas desse povo nômade onde a hospitalidade e a gentileza são valores milenares.
A chegada das 11 motos foi uma festa. Fomos desmontando ao ritmo de tambores e cornetas estridentes que anunciavam cada um dos motociclistas, visão bastante inusitada para eles, como o campo de tendas era novidade para nós.
Mais uma vez, iniciamos uma grande noitada com uma taça de chá ao lado do fogo no acampamento.
Eu, para animar meus amigos, tinha trazido uma garrafa de velho conhaque da França e, após o jantar, ficamos conversando junto ao fogo do acampamento bebericando nosso bom conhaque e saboreando todas as grandes emoções daquele dia, algo que, seguramente só a moto pode nos proporcionar.
Fomos dormir com o gosto da poeira do deserto em nossas bocas e as luzes dessas cores e paisagens girando em nossas memórias. Que privilégio!
Levantamos as 4 da manhã. Iríamos, de camelo, ver no nascer do sol no alto das grandes dunas de mais de 200 m de altura.
Maldita hora em que eu aceitei de montar esse animal esquisito. Prefiro 10 horas de deserto e buracos em minha GS do que duas horas em cima dessa besta que se move de forma sinuosa e lateral... Minha coluna estava pedindo água ao final de 30 minutos.
De qualquer forma, o espetáculo do nascer do sol sobre as dunas, com a vista sem fim do deserto do Sahara ao fundo nos permitiu momentos sublimes.
Quantos lugares mágicos tem este mundo!
Cláudio se vira para mim e diz: - É, Ricardo, a moto recompensa.
Ficamos dois dias curtindo esse lugar, comendo a comida dos nômades e enchendo nossas botas de areia.
No deserto faz muito frio pela madrugada assim, dormimos bem cobertos e felizes ouvindo os pequenos ruídos de pássaros e do vento batendo nas tendas. Vida simples.
De Merzuga tomamos o rumo norte para reencontrar as montanhas Atlas. Iríamos a Meknes e Fez, cidades de grande valor histórico com suas ancestrais medinas, e dali, para o Riff marroquino e de volta a Ceuta e à Espanha.
Retomamos o caminho da civilização, sempre pelo deserto e eu, decidindo me adiantar aos companheiros, tomei um caminho que considerava o mais adequado, na direção norte.
No deserto, você tem as marcas de pneus que ficam durante muitas semanas, ou meses, até que uma tempestade de areia as desfaça.
Eu, vi muitas marcas de pneus e passei a segui-las. Tinha a intenção de aguardar meus amigos em um ponto interessante para fotografar 10 motos andando em linha horizontal no deserto.
Esperei por uns 20 minutos e ninguém veio.
Nesse momento, comecei a me dar conta que tinha tomado a má direção, ou seja, tecnicamente estava perdido.
Ao longe vi uma Van de turismo que se deslocava em uma direção aproximada à eu eu precisava. Acelerei e passei a segui-los.
Uma hora mais tarde, vejo que a van estava andando em grandes círculos. Pergundo ao motorista para onde ele ia.
A resposta foi supreendente: Não sei, estamos perdidos....
Passei à frente e segui uma pista que parecia avançar na boa direção.
Encontrei um sujeito em um pequeno oásis e ele me pediu carona até o vilarejo mais próximo.
Disse a ele que com o areião que estava enfrentando, mal e mal podia andar na moto em solo...
Ele disse,: Conheço um caminho que não tem areião e podemos chegar ao asfalto em 6 km.
Ele subiu à garupa e lá fomos nós. E a Van cheia de turistas nos seguindo.
Efetivamente chegamos à estrada asfaltada em pouco mais de 10 minutos.
Deixei-o feliz no seu vilarejo e lhe poupei uns 10 km de caminhada. A questão seguinte era: Onde estavam meus parceiros?
Liguei para dois deles, deixei recado no celular e esperei sob uma árvore até que a resposta chegasse.
Em meia hora alguém me ligou indicando que eles estavam a 40 km mais ao sul.
Na minha batalha por encontrar o caminho, eu tinha feito 40 km de deserto a mais do que eles e tinha chegado antes ao nosso ponto de encontro...
Retomamos o caminho pela estrada principal, sempre em meio ao massivo das montanhas Atlas. Via-se a neve nos cumes e a temperatura, à medida em que subíamos, baixava consideravelmente.
As duas horas de deserto tinham me cansado bastante. Vínhamos há dias em um ritmo bastante intenso com 10 a 12 horas de pilotagem por dia.
Em mais de uma curva perdi a entrada e tive que frear duramente. Em mais outra, peguei uma mancha de óleo com a roda traseira e a moto derrapou perigosamente. Estava escurecendo. É um país onde circulam carros muito velhos e as manchas de óleo e diesel são bastante constantes. Com a poeira do deserto essas manchas ficam escondidas. Uma loteria.
Decidi fazer uma pausa. Eu estava apertando demais a velocidade e tudo começava a conspirar para que algo saísse mal.
Avisei a meus amigos que eu faria um ‘stop” para uma taça de chá de menta, uma deliciosa especialidade local e, com isso, descansaria uns minutos antes de retomar a estrada.
Deixei que todos eles seguissem seu caminho e eu faria o mesmo em 15 minutos.
Após o repousante chá e alguns minutos de relax, peguei a estrada, já estava escuro, e acabei chegando ao hotel alguns poucos minutos depois de o grupo.
No dia seguinte aproveitamos para ir visitar a Medina de Fez, bairro histórico construído pelos muçulmanos e judeus expulsos da Espanha pelos reis católicos Fernando e Isabel.
Uma maravilha arquitetônica, patrimônio da UNESCO. Tivemos o prazer de nos fazer acompanhar por um professor de história islâmica da Universidade de Fez e a aula foi das mais interessantes que recebi em toda minha vida.
Com tudo o que vimos nesse maravilhoso país e com os momentos extraordinários vividos entre novos amigos, a vontade de continuar viajando na sela de nossas motos era muito grande.
No último dia, em Meknes, encontramos no estacionamento uma moto com placa Iraniana e deixamos um bilhete para que os donos nos acompanhassem para jantar. Seriam nossos convidados.
Tratava-se de um casal de jornalistas Iranianos dando a volta ao mundo em uma Moto Guzzi de 1976! Eu, particularmente, conversando com eles me senti envergonhado de usar uma moto como a 1200 GSA. Quem eram mesmo os heróis?
Esses iranianos se tornaram amigos e, quando fizemos uma viagem através do Irã, serviram como nossos guias e nos receberam com todo o carinho e hospitalidade.
A moto não tem fronteiras.De Meknes, passando por uma região montanhosa no Riff onde mais uma vez curtimos pequenas estradas e suas paisagens maravilhosas, seguimos para Ceuta e para o continente Europeu.
Em dois dias estava de volta em minha casa na França.
Dos amigos com quem convivi nessa viagem pelo Marrocos, guardo contato muito próximo com vários deles e, com alguns já fiz várias outras viagens que terei o prazer de contar aqui neste espaço contando sempre com a paciência de cada um de vocês.
Dica Prática Número 3:Para uma viagem de moto, leve com você, uma pequena corrente de prender bicicleta (com cadeado, ou segredo). Presa na sua motocicleta, essa corrente servirá para você fixar os seus capacetes enquanto passeia pelos lugares a pé.
Ricardo Lugris
França - 10/11/2010
Fale com Ricardo Lugrisricardolugris@rotaway.com.br