As Viagens de Ricardo Lugris

SUA VIDA NO MOTOCICLISMO

 
É com um imenso prazer que publicaremos parte da história de um motociclista que desde criança já tinha em seus sonhos a vontade desta interseção com novos horizontes, de vivenciar cada nova descoberta sobre duas rodas.

Muito obrigado Ricardo Lugris por esta oportunidade.

De onde vem essa paixão pela viagem em duas rodas?

Tinha 10 ou 11 anos de idade e lembro de um motociclista que passava em minha cidade, Bagé, perto da fronteira com o Uruguai e, com suas bagagens amarradas sem muita disciplina, mostrava orgulhosamente dezenas de adesivos de lugares e países.

Era uma BMW preta, o moleque que era eu, passou quase uma hora “atazanando” o sujeito, um inglês, com perguntas sobre onde ele tinha andado e sobre o “motociclo” (é, se chamavam assim) que ele pilotava.

Tenho esse episódio em minha memória como se fosse ontem. Talvez venha daí minha mania de colocar adesivos de países que percorro no exterior das valises da moto.

Qual é o sentido de viajar de moto?

Não seria mais fácil e mais confortável viajar de carro?

Provavelmente é muito mais fácil e mais confortável, salvo quando há engarrafamentos e filas para embarcar nos ferrys.

Entretanto, somente a moto nos permite perceber e viver o nosso entorno. Somos nela, parte integrante da paisagem. Vivemos o que percorremos e seremos assim parte do caminho ao final de nossa viagem. As tuas sensações estão expostas, vais viver a viagem como nenhum outro meio te permitirá. A viagem ficará em ti.

Por isso, lamento a chegada à minha casa em cada uma de minhas viagens de moto. Não conheci nenhum automobilista que lamente terminar sua viagem de carro.

Nossa maneira de evitar a frustração do fim da viagem é abrir o mapa e começar a pensar em nosso próximo destino.

Nos anos 80, quando vivia em São José dos Campos, SP, com minha Honda XL 250 R, tinha por hábito percorrer com amigos as trilhas espetaculares da serras da Mantiqueira e do Mar nos arredores de SJC e no sul de Minas.

Eram sábados mágicos, entre verdadeiros amigos, que começavam com o encontro na padaria às 7 hs da manhã e que terminavam no barzinho com muito chope às 8 hs da noite.

Nessa época arrisquei algumas competições de Enduro de regularidade e cheguei a participar dos Enduros da Independência, sem grandes resultados a não ser o de poder chegar ao final da prova.

Desses tempos guardei um profundo carinho por meus parceiros de motocicleta. Quantas vezes tivemos que nos apoiar mutuamente? Quantas vezes tivemos que socorrer o companheiro depois de uma queda particularmente feia, ou de uma pane mecânica onde teríamos que rebocar a moto em meio a trilhas impossíveis?

Quantas risadas, quantos roxos pelo corpo e algumas fraturas...

A vida profissional fez com que eu me mudasse com a família para a França em 96.
No primeiro ano, percebia que algo me faltava, tinha vendido minha fiel XL a um amigo e não me dava de conta que o que me faltava era, exatamente, a moto.

Um parceiro de São José dos Campos teve um acidente com sua GS 1150 e pediu que eu lhe verificasse o preço de peças e componentes aqui na França.
Fui ao concessionário BMW Motorrad para ver preço de peças e saí montado em uma BM 650 GS.

Dali, a coisa não parou mais.
Em 12 anos, estou na 5ª. Moto e mais de 300 mil km depois, a vontade de percorrer caminhos sem fim continua a mesma.

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A Primeira Viagem – Equipamento?
Com a 650 GS, convenci minha mulher, Graça, a fazermos uma “grande” viagem. A idéia, (e uma viagem sempre deve começar por uma idéia), seria percorrer o Caminho de Santiago, na Espanha, de moto.

Aqui na França, existe um sistema de trens que possibilita o transporte de automóveis e motocicletas durante a noite, ao mesmo tempo em que o passageiro dorme tranqüilamente em sua cabine. (Chama-se AUTOTRAIN)

(Já sei, vocês devem estar pensando: Pô, o cara já começou trapaceando.... Vai viajar de moto e coloca a moto no trem!)

Foi exatamente isso. São 1000 km da minha casa até a fronteira com a Espanha e, sendo minha primeira viagem com minha esposa, não queria que ela tivesse uma impressão desagradável que resultasse em um abandono dessa possibilidade maravilhosa de ver o mundo.

Ainda hoje, quando temos uma viagem longa para o sul da Europa, por exemplo, para a Turquia ou Grécia, colocamos a moto no trem durante a noite, ganhamos 1000 km e começamos nossa viagem, descansados e felizes, na manhã seguinte.

Voltando à viagem pelo Caminho de Santiago, iniciamos nosso percurso em Tarbes, nos Pirineus franceses. Paisagens de montanha em pleno verão, nos sentíamos como verdadeiros descobridores.
Naquele momento, nenhuma viagem era mais excitante nem mais desafiadora do que a que tínhamos pela frente nessas belas estradas de montanha que fazem a fronteira entre a Espanha e a França.
Passamos a fronteira por Camfranc, uma passagem de montanha de mais de 2000 metros de altitude e chegamos à Espanha por Jaca, no Alto Aragão.

Poucos km depois de nossa passagem pela fronteira fomos parados pela polícia espanhola.
“Por qué no llevan guantes?”
Perguntou o policial espanhol. Realmente, não tínhamos luvas e na Espanha, é equipamento obrigatório....

Na verdade, não estávamos usando nem luvas, nem botas, nem uma jaqueta apropriada.
Apenas casacos de nylon que eram supostos nos proteger da chuva.

Percorrendo nessa oportunidade as planícies de Aragão, os velhos povoados e a história grandiosa de Leon e Castela, as belas cidades medievais de Astúrias e as montanhas impenetráveis da Galícia, percebemos que viajar de moto tinha um sabor absolutamente novo e desafiador.

Percebemos também que as luvas baratas que compramos em uma loja na Espanha não serviam para a chuva, que nossos tênis ficavam encharcados, assim como nossos jeans e as jaquetas de nylon.
Criamos o hábito, nessa viagem, de desviar de nuvens pretas no horizonte. Curioso hábito, não serve para quem quer viajar em uma determinada direção...

Aprendemos ali, a importância do equipamento e da necessidade de estar o mais confortável possível.
De qualquer forma, apesar dos desconfortos, da falta de experiência e das valises infinitamente pequenas, a viagem que deveria durar 9 dias, foi alongada para 14 pois decidimos, depois de chegar a Santiago de Compostela, retornar à França pela costa norte da Espanha, a Cornisa Cantábrica.

Uma maravilha. Os vilarejos de pescadores se sucediam, em baías e entornos inesquecíveis.

Foram 2400 km de sonho e de surpresas que deram inicio a uma verdadeira paixão, parte integrante de nosso dia a dia, que está longe de se extinguir.

Minha mulher revelou-se uma excelente parceira e uma atenta garupa. Até hoje é um exímio co-piloto e já me safou de vários momentos delicados por sua atenção constante à estrada e à circulação.
Em outras entradas, falarei da importância e das peculiaridades de viajar com garupa.
Também, sem pretensão, pretendo falar da importância do equipamento, da segurança que ele oferece.
Espero poder compartir com vocês o prazer viver as distâncias deste nosso maravilhoso planeta com alegria, em solo, ou com amigos, levando em conta a responsabilidade que temos no imaginário das pessoas que encontramos.

Somos, para aqueles não-motociclistas que encontramos pela estrada, uma espécie de “Centauros”. Seres míticos, quase como heróis.

Uma vez, na Patagônia Argentina, enquanto abastecia minha moto, uma senhora de muita idade aproximou-se de mim e disse:
“Señor, Usted me da miedo......”

Ela se referia, sobretudo ao tamanho da moto, ao equipamento estranho que usamos e o aspecto bastante atemorizador que passamos às pessoas, digamos, “normais”.

Daí a responsabilidade de ser cordiais, amistosos e interessados nas pessoas que nos abordam...

Temos muito o que conversar, vou ter o prazer de escrever neste belo site, tentando passar aos motociclistas de meu país, um pouco de experiência e, ao mesmo tempo, aprender um pouco mais com vocês sobre esta maravilhosa máquina que é a motocicleta.

E
clique na foto para ampliá-la
m minhas entradas aqui, pretendo falar de lugares onde estive; de como preparar-se para uma longa viagem, como viajar em solo, como viajar em grupo, pretendo dar indicações de como passar fronteiras e barreiras policiais sem demasiados inconvenientes, enviar motos ao exterior, atitude de pilotagem, regras de conduta e de segurança, e com isso, pretendo passar algumas dicas que possam ajudar a fazer uma viagem em duas rodas mais gostosa e muito menos complicada.

Agradeço ao Eduardo Wermelinger e ao ROTAWAY por esta oportunidade e peço a vocês amigos e parceiros, que entendam minhas dicas como apenas um ponto de vista.
Tenho certeza que cada um de nós sabe achar as suas melhores soluções para fazer da atividade da moto viagem um prazer insubstituível.

Como vocês sabem, “Quatro rodas transportam o corpo. Duas Rodas carregam a alma






Dica Prática de viagem, Número 1:
Compre uma pequena lanterna “Maglite” de 6 cm ( em lojas de importados ou no Free Shop) e pendure no fechamento do zíper de seu blusão de viagem.

Isso facilitará a abertura e o fechamento do zíper quando você está de luvas e poderá usar a lanterna do alto de seu blusão para iluminar o mapa na bolsa do tanque de combustível após a caída da noite.

Ricardo Lugris - 02/11/2010
 
 
 
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Comentários (3)

28/6/2016 16:03:19
OWELNQCRT
Unpaarlleled accuracy, unequivocal clarity, and undeniable importance!
 
30/8/2011 19:44:56
OTAVIO ARAUJO GUGU
Acabo de ler a bela reportagem do Ricardo na Revista 2 Rodas de agosto, número 431 onde mais uma vez o amigo desvenda e esclarece em meio a diversas boas dicas o comportamento ideal nas fronteiras entre países.
Agora esse texto do Rotaway complementa parte de minha curiosidade sobre esse intrépido grande motociclista brasileiro. Continue assim, mande sempre mais e mais dicas, com sua imensa experiência recomendo que escreva um livro, que com certeza será o maior sucesso !!!
Estamos aguardando a continuação.

Fraterno abraço a todos,
Gugu
 
24/8/2011 11:31:41
ANTONIO BRAGA
Sómente agora, depois de mais de um ano de Voce haver escrito esta cronica, tomo conhecimento, (antes nao conhecia "ROTAWAY" onde Voce colabora) das suas "habilidades literarias", naturalmente entre muitas outras. É realmente prazeiroso ler seus relatos de viagem , dicas ou outros. Doravante serei seu assiduo leitor. Parabens!!
Antonio Braga
www.motoaventour.com
Oaxaca-México
 

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