Aventura de Motocicleta em 1960

MARACANÃ / JEQUIÉ ATÉ IMBUÍRA-BA - 36º DIA DE VIAGEM

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06:00h, o dia já está claro e estamos prontos para partir. Nada fizemos na mota quanto alguma arrumação porque, tendo ficado conosco à noite, em nada desarrumamos.

Agradecemos ao pessoal do posto pelo pernoite gratuito que lá tivemos e partimos em direção a Jequié.

A chuva forte deu uma trégua, mas continuava chovendo. O lamaçal estava terrível. Poucos estão se atrevendo transitar pela estrada por haver trechos soterrados por barreiras (locais esses onde somente nós atravessávamos por estarmos de moto).

Desde o estado de Pernambuco, passamos por muitos acidentes pela estrada, onde vimos várias pessoas feridas e até mortas. E também devido aos deslizamentos na beira da estrada, víamos caminhões lá embaixo do barranco após terem deslizado e virado. Até pequenas pontes quebradas que impedia a passagem dos carros e caminhões nós passávamos colocando a moto nas costas (força de expressão, mas aconteceu mesmo).

Já havíamos passado por outras pequenas pontes quebradas, sem muita dificuldade para atravessá-las, mas esta agora à nossa frente, embora seja também uma ponte pequena e o rio raso, aconteceu dela se partir no meio, tombar e tomar a forma de quase um “V”. Com a ajuda do pessoal que estava “preso” em ambos os lados da ponte, conseguimos passar a moto por ela. Só que eu e o Fernando tivemos de ficar dentro da água na base do “V” lutando contra a força do rio, que embora pequeno estava forte devido às muitas chuvas. Dessa forma nós a amparávamos por baixo e ajudávamos conduzi-la para o outro lado. Nisso, o pessoal em cima apoiado nos extremos da ponte, passava a moto de um lado para o outro do rio. Depois de um pequeno esforço, alguns arranhões e as roupas encharcadas, saiu tudo bem. Agradecimentos de cá e de lá e seguimos em frente.

Nesta manhã havíamos saído da cidadezinha Maracanã/Milagres e ainda não tínhamos tomado nenhum tipo de café, fosse o da manhã ou uma tapeação qualquer, por falta de dinheiro. Depois do acontecido na ponte e para piorar ainda mais nossa situação, eis que logo após ter subido um morro e começar a descê-lo, me deparo com vários sulcos enviesados provocados pelo escorrimento das insistentes águas da chuva. Tentei safar-me da situação, mas não consegui. Ao entrar a roda da frente num daqueles sulcos, fomos arremessados ao chão e devido à velocidade que vínhamos (embora não fosse muita) ao cairmos deslizamos do alto do morro até quase chegarmos ao fim da descida, onde ao lado passava um pequeno rio.

Enquanto descíamos escorregando e sem termos qualquer controle dos nossos corpos (não havia como pararmos), íamos lentamente girando ... e descendo, descendo... e girando, acontecendo de num momento ver o Fernando, também escorregando e girando, como da mesma forma ele me via. Depois era a vez de ver o outro lado da estrada, que era um despenhadeiro. E assim fomos escorregando e girando impotentes e a mercê do destino, até finalmente pararmos quase no final da descida. Ainda bem que não escorregamos para o lado do despenhadeiro.

Refeitos do susto, deduzimos que a moto ao tombar deslizou pouco porque suas ferragens frearam-na, ficando assim pouco abaixo do topo do morro. Não acontecendo o mesmo conosco pelo fato de não haver o que nos prendesse ao chão.

Verificamos não termos sofrido nada demais, pois o Fernando só arranhou a perna, e eu com dor no joelho, o tal que já estava machucado. Realmente nada grave aconteceu conosco. Felizmente.

Por estar o piso escorregadio subimos com muita dificuldade. Levantamos a moto da lama e notamos que o “quique” havia empenado um pouco e o farol tivera um pequeno amassado no lado, mas como não funcionava mesmo, não era problema.

Curiosos, procuramos a razão de termos deslizado tanto. Descobrimos que o solo era extremamente duro e que sobre ele havia uma camada fina de lama, escorregadia como vaselina. Comparando, diria que era um tobogã com óleo derramado na sua pista de descida.

Nota: Anos mais tarde consegui saber que no trecho em que caímos, o solo contém minério de ferro, razão da sua dureza. E o barro fino que o cobria, vinha escorrido da parte superior da barreira que havia em um dos lados da estrada, em consequência da chuva .

Com cuidado descemos a moto, paramos no leito do rio e aí fomos tratar de nós. Molhados que já estávamos e sujos de barro dos pés à cabeça, tiramos as calças e ficamos apenas de cueca (molhada pela chuva) para podermos limpá-las no rio.

O frio era intenso e não havia ninguém a quilômetros de distância. Lavamos as calças, mas os blusões de couro só os limpamos por fora. Vestindo as calças e vendo o Fernando torcendo as dele, perguntei por que estava fazendo aquilo, pois ela logo iria ficar encharcada com a chuva que já caía forte. Vendo a bobagem que estava fazendo, vestiu-a e partimos. A seguir, no caminho, a chuva foi lavando nossos blusões. Isso aconteceu sem tomarmos, sequer, cafezinho da manhã.

Bem, se não houver outras novidades, pretendemos alcançar Jequié antes do meio-dia, tendo em vista que às 09:30 passamos pelo povoado de Milagres.

Finalmente chegamos na cidade de Jequié pouco depois do meio-dia, sem dinheiro algum. E agora, o que fazer para abastecer a moto, colocar óleo e fazer alguma manutenção necessária? E isso sem falar na nossa alimentação, acomodação e algo mais necessário. Bom, deixemos de pensar negatividades e vamos planejar o que será possível fazer:

Ligar para o meu sócio Borges pedindo-lhe que envie mais dinheiro pelo Banco, há empecilhos porque:

1) Ele deverá estar na empresa trabalhando e lá não tem telefone.
2) Como a esposa dele também trabalha, não terá ninguém na sua casa.
3) Sem falar no tempo que o dinheiro irá demorar para chegar, que seria cerca de 5 dias como aconteceu em Recife, muito embora com ordem de transferência feita via telefone, modalidade mais rápida na época. Mesmo que façamos isto, e até lá, como vamos nos arranjar? O mais viável então será procurarmos algo para fazer, peça ou não o dinheiro.

Eu, procuraria uma firma que necessitasse de vendedor para vender qualquer coisa, tendo em vista que quem já vendeu coleções de livros em domicílios tem bastante jogo de cintura para vender qualquer produto, ou serviço. O Fernando, por sua vez, facilmente poderá conseguir uma colocação numa oficina de lanternagem, tendo em vista sua excelente qualificação e experiência. Por outro lado também teremos de pensar como e onde poderemos comer e nos alojar sem pagar, até conseguirmos os primeiros rendimentos.

Enquanto pensávamos numa solução íamos passeando com a moto pela cidade a fim de descobrir por onde poderíamos começar nossa estratégia.

Observando aqui e ali, logo vimos tratar-se de cidade grande, populosa, bem adiantada, pessoal demonstrando ter bom padrão de vida, bastante comércio e até uma emissora de rádio local. Mas em se tratando da emissora de rádio, dizem não estar funcionando por falta de energia devido a um acidente elétrico ocorrido, e que só voltará a ficar no ar lá pelas 18:00h.

O que? Emissora de rádio local sem funcionar? Deus continua nos acompanhando e às vezes até se adianta, chegando antes de nós para preparar as coisas em nosso favor!

Eis aí uma oportunidade ímpar! E vou contar o porquê dessa maravilhosa notícia:
Dentre as coisas que levei comigo, estava um radinho portátil da marca Spika (japonês), que havia comprado recentemente no Rio-RJ (na época ainda era coisa rara e só havia importado). Era pequeno e bonito, com antena retrátil cromada, protegido por uma capa de couro bege escura e sua captação era só da freqüência AM, ou seja, só pegava transmissões da rádio local de onde estivesse.

Foi bastante útil na ida para Recife porque nós o escutamos bastante. O Fernando segurava-o ligado próximo ao meu ouvido e juntos escutávamos as transmissões das rádios por onde passávamos, embora com muito chiado em alguns lugares, porém dava para distrair. Mas devido aos tombos, chuva e até o pó do barro, ele acabou ficando cheio de ruídos, não se escutando ou entendendo suas transmissões. Trazia-o comigo para mandar consertá-lo quando chegasse no Rio, mas agora havia uma grande oportunidade de vendê-lo, mesmo ruim. É que, por não haver energia na rádio local, ela não podia transmitir. E o radinho por ser só AM, não poderia ser experimentado naquela cidade.

Então, eu e o Fernando combinamos nossa estratégia de venda e fomos a um bar onde havia muita gente.

Deixando a moto estacionada na porta em frente ao bar para que todos vissem sermos viajantes e qual tipo de veículo estávamos usando, entramos, aproximamo-nos do balcão e imediatamente fomos notados por várias pessoas que ali estavam em pé, bebendo e conversando.

Era exatamente o que queríamos!

O Fernando, com o seu jeitão de pessoa acessível e simpática, logo puxou conversa. Vai daqui, vai dali, começamos a contar partes da história da nossa viagem, falamos dos vários acidentes pela estrada (fantasiando às vezes para valorizar nossos argumentos), até que alguém vendo o rádinho (colocamos em cima do balcão desde que entramos) por curiosidade perguntou por ele, tendo em vista ser ainda novidade ali na região.

Dizendo então que estávamos sem dinheiro para prosseguir viagem e tínhamos aquele bonito radinho portátil japonês, freqüência “AM”, com qualidades tais para vender, imediatamente apareceu um interessado perguntando preço, e eu então falei Cr$2.500,00. Ele, que estava com alguns amigos, indagou-me como poderia saber se o rádinho funcionava, tendo em vista estar a rádio local desativada por falta de energia? Respondi que funcionava (só não disse que emitia fortes ruídos), pois como ele poderia ver, até sua aparência era de objeto novo e conservado (estava realmente). Então falou que iria fazer uma oferta (qualquer que fosse ela, para nós seria irrecusável):

Se vocês esperarem a energia voltar, eu pago o que estão pedindo. Mas agora só pago Cr$1.500,00.

A fim de impressioná-lo fiz aquela cara de “quem comeu e não gostou” (só para dar a impressão de não ter ficado satisfeito com a oferta), mas era apenas teatro. Em seguida levei o Fernando para o canto e fingimos comentar a oferta. Após parecer termos discutido, voltei e disse ao comprador que embora a oferta tivesse sido baixa, havíamos concordado com a oferta porque, se ficássemos até as 18:00h para provar estar o radinho funcionando perderíamos tempo de viagem e isso nos causaria um grande prejuízo, não só de dinheiro como principalmente de tempo, que para nós representava muito mais.

Assim sendo, nossa única alternativa era aceitar a oferta.

Satisfeito por ter levado a melhor, contou o dinheiro que tinha e pagou-nos. Botei tudo no bolso, agradeci e partimos imediatamente sem olhar para trás. Se o radinho depois das 18:00h funcionou bem, isso aí já é outra história. Milagres acontecem. Mas se não funcionou, bastará que mande limpar ou consertar lá mesmo em Jequié.

Acredito que essa transação foi benéfica para ambas as partes, pelo seguinte: Para nós, sem dúvida, salvou-nos de um aperto que muitos considerariam irremediável.

A falta de energia na Estação de Rádio da cidade foi realmente um momento excepcional, porque ,caso contrário não iríamos vender o radinho devido ao chiado. Para o comprador também foi interessante porque com pequeno gasto mandaria limpar ou mesmo consertar, compensando bastante o pouco que pagou por ele, com a vantagem de ser novidade lá pelo interior.

Esse caso aconteceu por volta das 14:00h e imediatamente pegamos estrada andando o mais rápido possível dentro daquele lamaçal, porque queríamos estar bem longe quando a energia voltasse para não termos que explicar o óbvio, e também pelo fato de estarmos ganhando tempo de viagem.

Após percorrido alguns quilômetros paramos num posto de Gasolina na beira da estrada para reabastecer, já que a gasolina estava na reserva. Oportunidade que aproveitei para trocar o óleo do cárter e calibrar os pneus.

Voltamos à estrada e após algum tempo chegamos num pequeno povoado chamado Imbuíra, onde comemos alguma coisa porque a fome era enorme.

E pelo adiantado da hora, pois já estava escuro, resolvemos dar uma pequena volta pelo lugar a fim de arranjamos um quarto para nós e um lugar para a moto.

Tendo conseguido, o negócio agora era descansar.

Grande abraço
João Cruz

 
 
 
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Comentários (1)

2/2/2017 19:57:38
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