EM CAMPINA GRANDE - PB: NO CEMITÉRIO
... Se eu tivesse adivinhado o que iria acontecer, não teria ido por dentro do cemitério.
O cemitério era grande mas o muro era baixo e fácil de escalar, não sendo por isso problema para nós. E para não perdermos a direção de para onde íamos, teríamos de ter referências a fim de sairmos exatamente no local onde nos indicaram.
Para o Fernando pular o muro foi um custo, pelo fato de colocar uma porção de dificuldades, tendo em vista o medo que expressava através da fisionomia. Já lá dentro dizia estar vendo alguém e que esse alguém poderia ser o vigia. Eu dizia para ele que então ficasse calado, pois assim o vigia não nos ouviria, e que andasse depressa por causa da chuva. Não satisfeito, me chamou porque viu uma luzinha sobre uma sepultura, depois disse que à noite cemitério pode até ter fantasma, etc.etc. Cheio dessas lamúrias dele, apressei o passo para que me acompanhasse com dificuldade e assim esquecesse aquelas bobagens.
Realmente não mais escutei suas lamentações por um bom tempo. Mas achando estranho ter-se calado tão rápido e por tanto tempo, parei, olhei para trás, e não vi o Fernando. Mas pude ver mais acima, mas embaixo de uma pequena marquise que ornava uma sepultura, linda e enorme coruja cinza e branca (devia ter uns 40/50cm de altura) que ali estava protegendo-se da chuva. Completamente imóvel, olhava para mim com seus olhos claros e enormes, parecendo até que queria me “paquerar” pelo fato de vez por outra piscar aqueles grandes olhos. Mas preocupado que estava com o Fernando, observei-a somente um pouco. Olhando em volta e não vendo-o pelas imediações, pensei: Será que por estar apavorado, voltou?
Mais concentrado, porém, escuto um som abafado que vinha de dentro do cemitério, mas bem difícil de ser localizado. Continuando a escutar aquele som estranho, fui voltando com bastante atenção para saber do que se tratava. Ao me aproximar e por isso o som estar mais alto, consegui finalmente localizá-lo. Vinha de dentro de uma cova bem profunda, aberta talvez naquele dia e adivinhem quem estava lá dentro? Perfeitamente. O Fernando.
Aconteceu que, com medo e olhando para onde não devia, bobeou e caiu na cova. Naquele momento estava tão assustado que quase não podia falar.
Não estava conseguindo subir porque, tentando segurar nas bordas com seus 1,65m de altura, elas desmanchavam por estarem moles devido às chuvas. E nas várias tentativas que havia feito, a terra molhada caía forte por cima dele. Apavorando-se cada vez mais devido às tentativas frustradas, já estava achando que ia enterrar-se ali mesmo, então começou a gritar, me chamando.
Vendo aquela situação me abaixei, segurei seu pulso direito com minha mão direita e ele fez o mesmo (as mangas dos blusões estavam escorregando). Puxei-o, ele colocou a mão esquerda fora da cova, ajudou no impulso e saiu. Saiu, sim, mas todo sujo de lama da cabeça aos pés. Do seu rosto só se via os olhos, e arregalados....
Após isto, seguimos caminhamos rápido. Ele segurando meu blusão de couro e eu dizendo para não me sujar de lama porque teria de falar com as mães das garotas. Falei também que, quando eu estivesse falando com elas, ele nem chegasse perto porque, sujo de lama como ele estava e não sabendo elas o que havia acontecido, poderiam até se assustar pensando ter havido briga, ou era ele um maluco fugido do hospício. E como nós tínhamos a missão de entregar-lhes, sem falta os bilhetes, que ficasse afastado na hora.
Tomei o cuidado de passar bem longe de onde estava a coruja porque, se ele a visse após o trauma pelo qual havia passado, sem dúvida teria de carregá-lo desmaiado cemitério afora.
Depois que pulamos o muro do cemitério para a rua, não deu nem mais um pio. Após andarmos um pouco, rapidamente localizamos as casas, mas como chovia fino falei para ele se proteger da chuva e me esperasse afastado, embaixo de alguma proteção.
Fui primeiro à casa da mãe da Gabriela e por sorte as duas mães estavam juntas, pelo fato de se visitarem devido à proximidade das moradias. Tirei os envelopes do bolso, entreguei-lhes e pedi que juntas os lessem com bastante atenção, porque foram carinhosamente escritas pelas filhas, que estavam com muitas saudades delas. Sem querer fazer ou receber qualquer comentário, tratei de me despedir e saí deixando-as à vontade para lerem as cartas. Finalmente... Missão cumprida!!!
Passando onde o Fernando estava e dizendo-lhe estar felizmente tudo resolvido satisfatoriamente, chamei-o para irmos embora. Nisso, mais que depressa me diz:
Mas pelo Cemitério, não! Por lá eu não vou!
Procurando como iríamos voltar, fiquei pensando no tombo do Fernando lá dentro do Cemitério e aliei-o ao acidente em Teresópilis e aquele que quase aconteceu na estrada, quando por “barbeiragem” quase nos joga despenhadeiro abaixo. Juntando esses fatos, cheguei à conclusão que ele não deveria enxergar muito bem.
Saindo desse pensamento, noto o providencial aparecimento de um carro de praça (táxi), que nos vendo parou. Viu mas não viu bem, porque se tivesse notado as condições do Fernando ele não teria parado nunca. Entrei no banco da frente e o Fernando, lógico, no detrás para que o motorista não visse a sujeira dele e pedimos que nos levasse ao Hotel. Falei qual era o endereço, o motorista falou que conhecia e fomos embora. Assim que o carro sai, noto uma coisa bem curiosa. O motorista só tinha o braço direito. Conversando, acabou contando que perdeu o braço esquerdo num acidente porque tinha a mania de deixá-lo para fora da porta sempre que dirigia. Num certo dia outro carro veio, bateu no dele e esmagou-lhe o braço. Disse que não tinha problema para dirigir e que a carteira de habilitação permitia isso.
Sem qualquer problema e com bastante perícia, deixou-nos na porta do Hotel. Ao saltarmos notamos ter parado de chover e nós, com satisfação, consideramos nossa missão para com as moças como encerrada.
Acomodados que já estávamos no quarto Hotel, lembrei ao Fernando da brincadeira que ele havia feito na porta do Cemitério, quando disse que se não tivéssemos onde dormir, a porta do Cemitério estava aberta. Justamente na ocasião em que fazíamos hora para encontrar as garotas no quarto delas lá em Ibimirim. E completei dizendo que a queda por ele hoje sofrida no cemitério, com toda certeza, era para ele não mais fazer dessas brincadeiras de mau gosto.