Aventura de Motocicleta em 1960

PETROLÂNDIA E IBIMIRIM EM PERNAMBUCO

 
Arranjamos uma sombra num barraco na beira da estrada e ficamos conversando com pessoas que observavam a moto com bastante curiosidade e fazendo-nos diversas perguntas sobre para que servia isso, para o que servia aquilo, etc. Não demorou muito e pára perto de nós um ônibus antigo, lotado de passageiros que havia partido de Jeremoabo e estava indo também para Recife.

O motorista salta e nos pergunta se poderíamos dar uma carona a ele até um povoado mais atrás onde sabia haver uma câmara de ar para o ônibus. É que pouco antes de chegar ali, havia usado o estepe devido a um furo que aconteceu um pouco mais atrás. Agora estava com medo de outro pneu furar, e por falta do estepe e da câmara que havia rasgado, ter de ficar preso na estrada com os passageiros. E ali onde estávamos tinha até borracheiro para fazer a montagem da câmara nova que iría comprar para o pneu que ficaria como estepe.












Garantiu que esse retorno não chegava a 10 quilômetros e portanto seria coisa rápida.

Mas fosse ou não fosse rápido, eu estava disposto a ajudá-lo por compreender não somente sua delicada situação, como também a dos passageiros.

Falei para o Fernando esperar, mandei o motorista pular para a garupa e lá fomos nós comendo poeira sob o sol escaldante.

Realmente não era muito distante, mas o piso como disse anteriormente era tão ruim, que dava a impressão de termos percorrido várias dezenas de quilômetros para alcançarmos o local.

Ao chegarmos ele saltou, foi até ao armazém e de lá voltou alegre e triunfante agitando a valiosa câmara de ar. Segurando com força a câmara, sentou na garupa e lá fomos nós de volta.

Ao chegarmos, ficou onde o ônibus estava, agradeceu muito e foi tratar de colocar a câmara no pneu estepe, no tal borracheiro que ali havia. Ato contínuo o Fernando veio, sentou na garupa, desejamos boa sorte ao motorista e aos passageiros e partimos feroz naquele cáustico “solzão” que a tudo queimava. Queimava mesmo, porque a caatinga existente em ambos os lados da estrada continuava completamente seca.

Seca devido à inclemência do sol e amarronzada em conseqüência da constante e interminável poeira. E o que mais se via por ali eram animais mortos na beira da estrada e dentro da caatinga. A maioria era só carcaça. Só osso, nada mais havia.

Falando da violência do sol, lembrei-me dos rios que outrora foram rios, tendo em vista que agora o panorama era de valas e regos secos. Sinceramente, ver um lugar tão inóspito assim é muito triste e até revoltante porque, verbas e mais verbas destinadas durante anos e anos para mitigar essa desolação, sempre foram desviadas do seu propósito, indo parar nos bolsos de políticos corruptos. Ao passo que cidadãos de bem, trabalhadores honestos e produtivos, ficam à mingua nesse solo tão aterrador. Com isso, perde o pobre nordestino e também o país no seu todo. No final quem lucra são os políticos e os funcionários inescrupulosos. Mas deixemos de política e vamos em frente na nossa jornada.

Calmamente, seguindo nosso percurso, por extrema coincidência eis que encontramos um carro de passeio enguiçado por causa de um problema, possivelmente no motor por estar com o capô levantado. Paramos e vimos tratar-se de uma família, pois além do casal havia uma senhora e duas crianças. E coitados, estavam parados exatamente naquele solzão aterrador e sem qualquer sombra pelas proximidades.

Havia também dois homens próximos ao carro enguiçado, mas assim que nos viram parar a moto e saltarmos, se afastaram, entraram num carro velho e foram embora sem nada falar.

Perguntando ao motorista o que acontecera, respondeu não saber qual a razão do carro não dar nenhum sinal de partida. Havia morrido repentinamente e ele não conseguia de jeito nenhum fazê-lo pegar novamente. Acionava o ‘start’ e nenhum sinal havia por parte do arranque.

O Fernando, então, foi até ao motor do carro para fazer uma verificação. Olhou o motor, mexe daqui mexe dali, olha cá mexe acolá "um tremendo técnico, cheio de pose". A seguir pediu-me uma chave de boca ou estria, só não lembro a medida. Peguei-a na pasta e entreguei–lhe imediatamente porque desejava ver essa família livre daquela enrascada, pois o calor estava sufocante. Não sabia como as crianças estavam suportando aquela temperatura sem reclamar. Se puséssemos milho de pipoca em cima do teto do carro, num instante teríamos pipocas quentinhas para comer.

De repente vejo que o Fernando pára o que estava fazendo, vai para baixo do carro, demora um pouco como se estivesse verificando algo, depois de algum tempo deitado lá debaixo se levanta e diz para o motorista: Vire a chave, faz favor! Como por milagre, o carro que não dava qualquer sinal de vida, de repente faz o barulho do arranco e... “vrummm”, o motor pega e todos gritam... viva!!!

A família não sabia como agradecer de tão felizes que ficaram. O motorista disse que era médico, morava e trabalhava no Rio e estava indo ao Recife com seu pessoal para encontrar familiares que finalmente iriam conhecer as crianças. Deu-nos seu cartão de visita, anotando no verso o endereço para onde estava indo em Recife e o da sua residência no Rio, dizendo que nós teríamos de visitá-lo nos dois endereços. (Infelizmente não houve oportunidade para visitá-lo).

Partiram alegres, com efusivas despedidas e os célebres acenos de mão, até desaparecerem na poeira e na primeira curva da estrada.

Satisfeitos com o auxílio prestado, após descansarmo um pouco, continuamos nossa jornada e fomos conversando sobre o caso. Curioso que fiquei em razão do conserto, perguntei ao Fernando qual tinha sido afinal o problema que causou aquela pane geral, tendo em vista que deveria ter sido complicado pelo fato de primeiro ter mexido no motor e depois embaixo do carro.

Ele simplesmente disse que não. Não tinha sido nada. Apenas o cabo terra da bateria havia afrouxado e assim não fazia contato elétrico para a partida do arranco. Bastou apertá-lo com a chave de boca e o caso já estava resolvido. Mediante tal resposta perguntei então qual a razão de ter-se deitado debaixo do carro, após sabidamente já ter resolvido o problema. Respondeu que por estar muito quente, aproveitara para sair um pouco do sol e ao mesmo tempo valorizava a descoberta, por fazer parecer ter sido um problema mais difícil, respondeu rindo.

Estávamos ainda conversando e já víamos adiante o carro do médico, quando de repente a moto dá um estalo e se inclina para a esquerda obrigando-me forçar o guidão para a direita, a fim de compensar o equilíbrio. É que novamente aconteceu de partir a base inferior da mesa do telescópico, exatamente onde havia levado solda. E agora, o que fazer?

Tendo de prosseguir, pois não havia outro jeito, fiz o mesmo de quando partiu da primeira vez. Fiquei forçando o guidão em sentido contrário para equilibrá-la e continuamos bem devagar, rezando para que não quebrasse a parte superior.

Andamos algum tempo nessa expectativa já com a estrada escura, até que começamos ver alguns lampejos de luz elétrica prenunciando haver uma cidadezinha adiante. Havíamos chegado em Ibimirim.

A viagem nesse trecho tinha sido terrível e para complicar ainda mais, surgiu esse problema da mesa do telescópico.

Olhando para ver se achávamos alguma oficina ainda aberta, localizamos uma que além de serralheria era também ferreiro (ferrar animais) e quem nos atendeu foi o dono, Sr. Severino, pessoa muito alegre e prestativa que até deixou o Fernando ali, na hora, aplicar a solda. Brincando, perguntou se queríamos aproveitar e “ferrar” a moto. Rimos da piada e agradecemos a gentileza por nada ter-nos cobrado pela solda que o Fernando fez. Ainda bem porque nosso dinheiro já estava no fim.

Notando que a oficina além de pequena estava abarrotada de ferros e outros objetos, não querendo abusar da boa vontade dele, perguntamos se somente a moto poderia ficar ali, respondeu: Podem deixar. Se os jovens repararem bem vão ver que a oficina não tem porta porque fica aberta dia e noite. Mas podem ficar sossegados porque não tem perigo. Lugar pequeno, todo mundo se conhece.

Por curiosidade resolvemos olhar e vimos que realmente não havia porta na oficina.

Perguntando se indicava um local para nós comermos e que tivesse preço acessível (o dinheiro já estava escasso e havia ainda muito chão a enfrentar), disse que procurássemos a casa de uma família que costumava cozinhar para fora. Deu-nos a direção e fomos até a tal casa, a pé, deixando a moto já guardada na oficina.

Batendo na porta da tal casa, uma senhora gorda veio nos atender. Dissemos o que desejávamos e então falou para entrarmos.

Contou-nos o que poderia fazer para nos servir, deu-nos o preço da refeição, mas pousada ela informou que não tinha e nem sabia quem teria, pois ali não era um lugar de parada. Quem trafegava pela estrada passava direto, sem parar.

Aceitamos as refeições, pagamos e ficamos na sala aguardando que ela aprontasse e nos servisse o jantar. Enquanto esperávamos, duas bonitas garotas de seus vinte, vinte e poucos anos entraram e nos olharam intrigadas pelo fato de sermos desconhecidos no local. Mais intrigadas ainda ficaram por estarmos trajando roupas diferentes das usadas no local e ainda com boné e cachecol. Mas felizmente logo se descontraíram e vindo até onde estávamos, passamos a conversar.

Disseram que eram primas, moravam ali com a madrinha (a senhora gorda), estudavam à noite na casa-escola da localidade e de dia trabalhavam numa olaria. Fora disso nada mais tinham para fazer, a não ser ir no fim de semana ao cineminha da igreja, quando tinha.

De nossa parte contamos sobre a viagem, que éramos do Rio, falamos das nossas profissões, dissemos que as achávamos bonitas, que estávamos ali esperando prepararem a comida e depois iríamos procurar um lugar para passarmos a noite e seguir viagem bem cedo no dia seguinte.

Enquanto conversávamos chegaram as nossas refeições, mas como elas só iriam jantar mais tarde, se despediram e saíram.

Terminado o jantar, que foi muito gostoso, variado, farto e principalmente barato, tínhamos agora em mente procurar logo um lugar para pernoitarmos, pois já estava ficando tarde.

Povoado pequeno, caminhando devagar passamos casualmente por uma pracinha e lá, sentadas sozinhas em um banco, vimos as duas garotas como se estivessem esperando alguém.

Caminhamos até elas, que nos receberam muito bem e foram logo perguntando se já havíamos arranjado lugar para ficar, o que respondemos negativamente. Continuando a conversa, falaram do dia-a-dia triste que levavam naquele local sem qualquer perspectiva de futuro para elas; que tinham saído de suas casas em Campina Grande-PB para viverem ali, mas estavam com vontade de voltar porque lá, além de já estarem ambientadas, havia mais diversão, escolas, mais oportunidade para arranjarem um bom trabalho e muitas outras coisas para fazerem; e que além do mais estavam com muitas saudades da casa e da família.

Perguntando-lhes então, por que não voltavam para suas casas, responderam estarem temerosas da reação das mães, pela possibilidade de não receberem-nas bem e aí não terem mais onde ficar, pois não teriam coragem de voltar para a madrinha. Após esta colocação, imediatamente perguntaram se na trajetória poderíamos passar por Campina Grande e levar um recado. Sentindo pena das garotas respondi-lhes que poderíamos ir, bastava darem-nos o endereço e os nomes das pessoas que deveriam receber os recados. “Mas meu pensamento naquele instante, era: Se para chegar a Recife estava sendo dureza, o que não será preciso fazer e também enfrentar para irmos até a casa das suas respectivas mães, em Campina Grande-PB? Mas como tudo na vida dá-se um jeito, vamos em frente”.

Alegres, disseram que quando voltassem à casa da madrinha para jantar fariam os bilhetes para nós levarmos. E agora... Surpresa!!! A seguir, falaram: “Já que não arranjaram lugar para dormir e está muito tarde, vão lá para o nosso quarto”.

Surpresos pela inesperada colocação do convite, ainda mais partindo de duas garotas bonitas e bem educadas (afinal estávamos no ano de 1960, quando dificilmente era feito tal convite, não por medo de violência mas sim devido ao pudor e conceitos da época), eu e o Fernando, para disfarçar, dissemos que iríamos incomodar, inclusive à madrinha que notamos ser pessoa bastante austera. Responderam que ela não iria saber de nada, principalmente dos bilhetes e explicou como devíamos proceder para chegarmos ao quarto delas...

Grande abraço
João Cruz
 
 
 
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Comentários (1)

28/6/2016 15:52:46
MBITYWADFK
Just the type of inghsit we need to fire up the debate.
 

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